O Show Deve Continuar é um daqueles filmes que desafiam classificações fáceis. Ao mesmo tempo musical, drama e confissão pessoal, a obra é uma imersão na mente caótica de um homem obcecado pelo trabalho, pela arte e pelos próprios vícios. Dirigido por Bob Fosse, que imprime sua marca autoral em cada cena, o longa é uma semi-autobiografia que revela as dores e as glórias por trás do espetáculo.
A trama acompanha Joe Gideon (Roy Scheider), um renomado coreógrafo e diretor da Broadway que vive no limite. Sua rotina é marcada por ensaios extenuantes, edição de filmes e uma vida pessoal igualmente tumultuada, dividida entre mulheres, pílulas e cigarros. Tudo isso o empurra para um colapso físico e emocional inevitável, que culmina em uma jornada delirante entre a vida e a morte — sempre com música e dança.
O grande trunfo de O Show Deve Continuar está na forma como Fosse mistura realidade e fantasia. Os números musicais não são apenas interlúdios, mas expressões visuais da mente de Gideon, funcionando como comentários ácidos sobre sua própria vida. À medida que o personagem mergulha em crises, as coreografias se tornam mais sombrias e exuberantes, traduzindo, através da arte, sua decadência.
Roy Scheider, em um papel que foge completamente de sua imagem anterior, entrega uma performance magnética. Com um carisma contido e uma energia quase febril, ele consegue tornar Gideon um personagem fascinante, mesmo quando suas atitudes beiram a autodestruição. Ao seu redor, o elenco reforça a natureza pessoal do projeto: Ann Reinking, ex-companheira de Fosse, interpreta a amante de Gideon, enquanto Jessica Lange surge como a enigmática figura da morte, em cenas que evocam Fellini e seu clássico 8½.
A influência felliniana, aliás, é clara em toda a estrutura do filme. Assim como na obra italiana, O Show Deve Continuar é um exercício de metalinguagem, onde o processo criativo se confunde com a própria vida do artista. Mas Fosse imprime sua assinatura com coreografias sensuais, cortes frenéticos e um olhar quase cruel para a obsessão pela perfeição — uma obsessão que consome o corpo e a alma.
Esteticamente, o longa é um espetáculo à parte. A fotografia de Giuseppe Rotunno, colaborador frequente de Fellini, dá às cenas uma plasticidade hipnótica, enquanto os números musicais carregam a energia pulsante e a sensualidade característica do estilo Fosse. Em contraste, as sequências que retratam a fragilidade física de Gideon — especialmente a cirurgia cardíaca mostrada sem pudores — são de uma crueza perturbadora, ampliando a sensação de desconforto que percorre o filme.
Indicado a nove Oscars e vencedor de quatro, O Show Deve Continuar continua sendo uma das obras mais ousadas do cinema americano dos anos 1970. Não é um musical convencional: é um filme sobre a vaidade, a morte e o preço da genialidade. Uma experiência intensa, que nos lembra que, para alguns artistas, a vida é um palco — e o show, mesmo diante do abismo, simplesmente não pode parar.