Em uma época em que o Código Hays ainda ditava o que podia ou não ser mostrado nas telas, Quanto Mais Quente Melhor surpreendeu ao rir das regras e quebrá-las com charme, esperteza e um toque de subversão. O filme de Billy Wilder, lançado em 1959, é uma comédia acelerada e deliciosa, que parece sempre à frente do seu tempo — tanto em ritmo quanto em temas. Poucos filmes conseguem equilibrar o nonsense com uma crítica social tão bem quanto ele.
A trama começa como um típico filme de gângster, com direito a metralhadoras e mafiosos no inverno de Chicago, mas logo toma um rumo inesperado e absurdamente divertido: dois músicos — Joe (Tony Curtis) e Jerry (Jack Lemmon) — testemunham um crime da máfia e, para fugir dos assassinos, se disfarçam de mulheres e embarcam em uma turnê com uma banda feminina rumo à ensolarada Flórida. Daí em diante, é um festival de mal-entendidos, disfarces e reviravoltas que só aumentam a diversão.

Curtis e Lemmon estão inspiradíssimos, seja tropeçando em saltos altos ou elevando o timbre da voz para manter o disfarce. O carisma e a química entre os dois são palpáveis, e cada cena em que dividem a tela é um pequeno show à parte. Marilyn Monroe, como a doce e sensual Sugar, também brilha em um dos papéis mais icônicos de sua carreira, mesmo com os bastidores tumultuados que marcaram sua relação com o diretor.
É impressionante como o roteiro, assinado por Wilder e I.A.L. Diamond, brinca com temas que, décadas depois, ainda são discutidos com seriedade: identidade de gênero, papéis sociais, sexualidade. Ao tratar tudo com leveza e inteligência, Quanto Mais Quente Melhor se antecipa a produções como Tootsie e Victor ou Victoria, que também usariam o humor para questionar convenções.
A decisão de filmar em preto e branco, mesmo em plena era do Technicolor, não foi estética, mas prática: como explicou Wilder, com maquiagem pesada os atores pareceriam caricatos demais; com maquiagem leve, apenas homens de vestido. A solução foi uma elegância monocromática que, ironicamente, tornou o filme ainda mais atemporal.

O final, claro, é um dos mais célebres da história do cinema. Quando Jerry tenta confessar ao milionário Osgood que é, na verdade, um homem, ele ouve uma inesquecível resposta. É o tipo de piada que encapsula o espírito do filme — absurda, inesperada e, ao mesmo tempo, cheia de significado. Em meio ao caos, Wilder nos lembra que o amor, o desejo e o afeto não seguem regras tão simples.
Rever Quanto Mais Quente Melhor é reencontrar uma comédia perfeita em sua imperfeição. Um clássico que ri de tudo e de todos com um afeto raro, sem nunca subestimar seu público. E se, no fim das contas, ninguém é perfeito, esse filme talvez seja a exceção.




