Até Que a Música Pare, dirigido por Cristiane Oliveira, nos leva a um pedaço do sul do Brasil onde a cultura italiana e o catolicismo moldam a vida de toda uma comunidade. O filme, com sua narrativa sutil e melancólica, nos coloca no centro de um casamento à beira de revelações, à medida que Chiara, a matriarca, embarca em uma jornada de descobertas sobre o marido Alfredo e, consequentemente, sobre si mesma. A trama, aparentemente simples, esconde camadas de crítica social e explorações emocionais profundas.
A história gira em torno de Chiara, que, após ver seus filhos saírem de casa, decide acompanhar o marido em uma de suas viagens de trabalho pela Serra Gaúcha. Alfredo, com seu modesto trabalho de fornecedor de produtos para bares, parece levar uma vida rotineira e sem surpresas. No entanto, quando Chiara começa a observar mais de perto as atividades do marido, descobre pequenas transgressões que abrem brechas para desconfianças maiores. O filme nos conduz lentamente através de uma tensão contida, onde o silêncio e os olhares são tão importantes quanto os diálogos.
A diretora acerta ao manter o foco na relação entre os dois protagonistas. Até que a Música Pare é um estudo delicado sobre um casamento desgastado pelo tempo e pelas perdas que a vida impõe. A presença constante da memória do filho falecido permeia as interações do casal, especialmente para Chiara, que tenta equilibrar sua dor com as novas descobertas sobre Alfredo. A atuação de Cibele Tedesco, como Chiara, transmite uma profunda melancolia, reforçada pelos cenários vazios e pela solidão silenciosa do interior do Rio Grande do Sul.
Um dos aspectos mais intrigantes do filme é a forma como a diretora explora a relação de Chiara com a tartaruga, presenteada por Alfredo, e que ela eventualmente começa a ver como a reencarnação de seu filho. Aqui, elementos de misticismo são apresentados de maneira sutil à trama, adicionando uma camada que contrasta com o realismo seco da vida cotidiana da personagem. Essa mistura entre o simbólico e o concreto faz com que o filme adquira uma aura poética, sem nunca perder de vista os dilemas humanos em jogo.
Até que a Música Pare não se limita a ser apenas um drama familiar. O filme é também uma crítica silenciosa à sociedade conservadora e preconceituosa em que o casal está inserido. A religião católica, com seus dogmas e tradições, domina o ambiente e as conversas, e vemos como isso afeta diretamente a vida de Chiara e Alfredo. A presença de Luca, um jovem budista que apresenta a Chiara a filosofia da transmigração das almas, oferece uma válvula de escape para a protagonista, que começa a questionar a rigidez de sua própria fé e as limitações impostas pela sua comunidade.
O filme, em muitos momentos, reflete sobre a alienação vivida por uma geração de brasileiros que, em meio a um cenário político conturbado, votaram em figuras populistas e autoritárias. Alfredo representa essa mentalidade, com seus comentários breves mas reveladores sobre a política. Cristiane Oliveira, sem ser excessivamente didática, deixa claras as tensões políticas e sociais presentes na vida do casal, adicionando uma camada extra de complexidade ao longa.
A cinematografia de Julia Zakia é um dos grandes destaques do filme. A paleta de cores suave e rica reforça o sentimento de nostalgia e melancolia, enquanto os vastos campos da Serra Gaúcha servem como pano de fundo para a solidão de Chiara. O uso de luz e sombra ajuda a acentuar o clima de mistério e a sensação de que algo sempre está escondido nas entrelinhas da vida do casal. A estética do filme é cuidadosamente construída para refletir o estado emocional da protagonista.
Embora o ritmo lento possa afastar alguns espectadores, é no seu tempo que o filme encontra sua força. Até que a Música Pare exige paciência, mas recompensa aqueles que estão dispostos a mergulhar na psique de Chiara. É um filme que fala mais pelos gestos contidos e pelos silêncios compartilhados do que pelos grandes eventos dramáticos. A beleza está na sutileza com que a história acontece e na maneira como somos convidados a observar, junto com a protagonista, as pequenas rachaduras no casamento e na vida que ela achava conhecer.
No final, Até que a Música Pare é uma história de libertação pessoal. Chiara, através de suas descobertas e de sua conexão com o budismo, encontra uma forma de redescobrir o amor próprio e, talvez, de entender melhor a vida que levou até então. É um filme sobre segredos e revelações, mas, acima de tudo, sobre a busca por significado em meio à dor e à monotonia da existência diária.