Com Cavalo de Guerra, Steven Spielberg retorna ao drama histórico, combinando seu domínio técnico com uma narrativa sensível sobre amizade e sobrevivência em tempos de guerra. Baseado no romance de Michael Morpurgo, o filme acompanha a trajetória de Joey, um cavalo corajoso que atravessa os horrores da Primeira Guerra Mundial, enquanto seu jovem dono Albert (Jeremy Irvine) permanece determinado a reencontrá-lo. Embora Cavalo de Guerra aspire a ser um épico emocional, ele se mostra mais eficaz como um registro visual da brutalidade da guerra e da beleza de um mundo devastado.
No núcleo da trama está a conexão entre Albert e Joey, que se fortalece quando o pai de Albert, Ted (Peter Mullan), adquire o cavalo em um leilão. Apesar das limitações do animal para o trabalho rural, Albert treina Joey com dedicação, estabelecendo um laço que ultrapassa o mero companheirismo. Contudo, o início da guerra os separa, quando Joey é vendido ao exército e levado à linha de frente, deixando Albert inconsolável e motivado a se alistar para reencontrar seu fiel amigo.
Spielberg adota uma estrutura episódica para narrar a jornada de Joey, à medida que o cavalo passa por diferentes donos e contextos ao longo do conflito. Desde o serviço como montaria para um capitão britânico até ser forçado a puxar veículos para o exército alemão, o cavalo atravessa desafios que refletem a futilidade e o horror da guerra. Essa mudança constante de cenários e personagens, embora amplie a perspectiva do conflito, dilui o impacto emocional da trama, que perde um pouco de sua intensidade ao focar brevemente em cada figura humana.
Talvez a maior fraqueza do filme seja a dificuldade em desenvolver um vínculo emocional profundo entre o espectador e os personagens humanos (parece que para Spielberg os humanos não importam nesse longa). Jeremy Irvine, em seu papel de estreia, oferece uma performance que oscila entre o excesso e a inexpressividade, o que prejudica a identificação com Albert. Enquanto isso, atores experientes como Emily Watson e Niels Arestrup entregam interpretações sólidas, mas a história acaba favorecendo o ponto de vista do cavalo, relegando as atuações a papéis secundários.
O que Cavalo de Guerra faz de maneira excepcional, no entanto, é capturar a atmosfera dos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial, um cenário cinematográfico raramente explorado. Spielberg retrata a guerra com uma brutalidade contida, oferecendo uma versão mais acessível para públicos familiares, mas ainda poderosa em sua representação da destruição e do choque entre armas e táticas arcaicas. Em uma cena marcante, Joey enfrenta um tanque, simbolizando o contraste entre a cavalaria tradicional e o avanço implacável da tecnologia.
A cinematografia de Janusz Kaminski é um dos pontos altos do filme, trazendo uma poesia visual que contrasta com a realidade crua da guerra. O uso de luz e cor, especialmente na cena final em que o céu se banha em tons de laranja e vermelho, imprime ao filme uma beleza melancólica que adiciona profundidade à narrativa. Este é o tipo de momento que transcende o próprio filme, parecendo uma pintura em movimento, e complementa o trabalho de direção de Spielberg com uma elegância que lembra as obras de arte.
A trilha sonora de John Williams completa a experiência visual com uma sensibilidade musical que acentua os momentos emocionantes e intensos. A música guia o espectador pelos altos e baixos da jornada de Joey, em uma parceria perfeita com a direção de Spielberg. Mesmo sem a intensidade emocional de outros filmes do diretor, como A Lista de Schindler ou O Resgate do Soldado Ryan, Cavalo de Guerra ainda entraga uma experiência sensorial que emociona pela grandiosidade de suas imagens e sons.
Após uma breve pausa na carreira, Spielberg voltou com força ao dirigir tanto As Aventuras de Tintin quanto Cavalo de Guerra em um curto intervalo. Embora nenhum dos filmes possa ser considerado um retorno triunfal ao estilo arrebatador do diretor, ambos revelam lampejos do talento que faz de Spielberg um mestre na arte de narrar visualmente. Cavalo de Guerra, em particular, possui uma beleza técnica que impressiona, mesmo que sua narrativa nem sempre acompanhe essa grandiosidade.
Em suma, Cavalo de Guerra pode não ser uma obra-prima, mas é uma homenagem sincera à resistência e à lealdade em meio a tempos de desespero. Com sua representação vibrante da Primeira Guerra e seu olhar poético sobre a conexão entre humanos e animais, o filme captura a essência de uma época e de uma amizade que desafia as adversidades. Spielberg mostra que, embora nem sempre seja fácil emocionar o público, ainda é possível surpreendê-lo com um espetáculo visual digno de contemplação.