Gints Zilbalodis retorna ao mundo da animação com Flow, uma experiência visual e emocional que combina a simplicidade de um protagonista felino com a complexidade de um mundo devastado por águas que nunca param de subir. Desde a abertura avassaladora, em que um gato preto luta para sobreviver à destruição de sua casa, o filme prende o espectador com imagens hipnotizantes e uma narrativa que dispensa diálogos para explorar conexão e sobrevivência.
A decisão de centralizar a história em um gato preto, com seus olhos dourados expressivos, é uma escolha certeira. Como alguém que compartilha a vida com um felino dessa cor, vi comportamentos familiares, desde o modo curioso de explorar o ambiente até os momentos de vulnerabilidade. O filme captura a essência de um animal frequentemente incompreendido, destacando sua independência e capacidade de se conectar com outros seres em momentos de necessidade.
Zilbalodis utiliza a tecnologia de animação com maestria, criando paisagens que parecem saídas de um sonho digital, ainda que apresentem a simplicidade característica de seu estilo. É impossível não se lembrar de jogos como Myst, mas as sequências longas e flutuantes revelam uma artificialidade que pode afastar espectadores acostumados a CGI mais polido. Para mim, no entanto, essa estética quase “caseira” acrescenta um charme único, especialmente ao contrastar o ambiente surreal com a história intimista.
O crescimento emocional do gato, forçado a se unir a outras espécies no barco improvisado, é tocante demais. A mensagem de confiar nos outros, mesmo quando a desconfiança parece mais natural, é universal e delicada. É uma das qualidades que tornam Flow mais humano do que muitos filmes protagonizados por pessoas.
Os personagens secundários, como os cães que inicialmente perseguem o gato, mas depois estendem uma “pata amiga”, e os lêmures cômicos, trazem camadas de emoção e alívio cômico à jornada. Eles são essenciais para mostrar como as diferenças podem ser superadas diante de uma crise maior. A ausência de diálogo reforça essa conexão primordial, comunicada apenas por olhares e ações.
Embora a tecnologia empregada no filme possa parecer datada para alguns, isso não diminui o impacto emocional do longa. A animação pode não alcançar o realismo físico de grandes estúdios, mas sua alma é única. Flow tem uma simplicidade que faz lembrar por que nos apaixonamos por animações no primeiro lugar: contar histórias que tocam o coração, mesmo sem palavras.
O final, com sua reflexão coletiva, é uma das imagens mais belas e emocionantes do filme, reforçando o crescimento do protagonista e sua transformação de solitário para parte essencial de uma comunidade. Não perca a cena pós-créditos; ela é um lembrete de que, mesmo nas maiores tragédias, há espaço para um toque de esperança. Flow é uma ode à resiliência e à importância das conexões.