How to Have Sex, filme vencedor da mostra “Um Certo Olhar” no último Festival de Cannes, nos faz seguir numa trip de férias hedonista pela Grécia junto com três garotas adolescentes britânicas enquanto acumulam experiências em uma etapa com diversos ritos de passagem. Vivenciando tudo num cenário paradisíaco, elas encaram situações de implicações complexas.
No primeiro quarto do filme da jovem diretora Molly Manning Walker, de 30 anos, há uma promessa de um verão inesquecível. As britânicas Tara (Mia McKenna-Bruce), Skye (Lara Peake) e Em (Enva Lewis) sequer esperaram para ver as notas finais do encerramento do ensino médio e partem para Máli, uma ilha na Grécia. Elas ficam num hotel com hóspedes semelhantes, ou seja, jovens em busca de festas intermináveis.
A trama começa sinalizando os excessos das protagonistas histriônicas e barulhentas, como convém a pessoas dessa faixa etária em férias de verão distante dos pais e responsáveis, com cenas de baladas, festa na piscina, luzes de neon, bebedeira e “pegação”, para aos poucos ir se focando na turbulência interna da até então virgem Tara que percebe que a alegria e descobertas que esperava se transformam num enorme pesadelo com abalos traumáticos que levará por toda a vida.
O discurso das três amigas também é cinematograficamente mais frequente na boca de meninos, afinal de contas elas chegam a criar uma aposta para premiar a mais sexualmente ativa. Quem transar mais fica com a cama, ganha bebidas e será tratada como a rainha das férias compartilhadas. São muitos os filmes que têm premissas parecidas, mas a maioria é protagonizada por adolescentes homens em comédias descartáveis.
How to Have Sex oferece a Tara dois pretendentes de perfis completamente diferentes que se candidatam naturalmente a possibilitar sua primeira vez. Um é Badger (Shaun Thomas), um cara meio bobão, de beleza pouco chamativa, mas que demonstra atenção à protagonista, em vários momentos deixando a algazarra de lado para verificar se ela está bem. O outro é Paddy (Samuel Bottomley), o malvado egoísta com pouca sensibilidade que parece ser o único completamente adequado ao discurso geral de curtição sem travas. Ele avança enquanto os demais recuam em algum momento dessa intenção manifestada verbalmente de ir às últimas consequências e ter noites selvagens. Paddy é a representação desse enunciado imprudente do “verão selvagem”, sem hesitação.
Após uma “vacilada” de Badger, Patty convida Tara para passar a noite na praia. Nesse meio tempo, os dois já estão embriagados e por insistência de Paddy, Tara aceita. Mas o sexo é doloroso. À medida que a noite avança, as fantasias de Tara tornam-se desilusões e nada corre como ela imaginava. A depravação, o sexo fácil e a bebida excessiva deixam-na enuviada e ela já não consegue se comunicar com ninguém. A partir daí, ao invés da gritaria, música alta e cores gritantes, Manning Walker direciona sua câmera para o que realmente importa: a intimidade de Tara. A fotografia assinada por Nicolas Canniccioni oferece essa diferença de tons visuais entre o antes e o depois da perda da virgindade, sendo o antes uma festa maluca enxergada em planos mais abertos e o depois uma viagem mais pessoal pelas angústias de uma menina prestes a colocar os dois pés na vida adulta – nova fase cujo cartão de visitas foi a demonstração misógina de sua fragilização enquanto mulher, ao ponto de em algumas cenas essa atenção à intimidade abafar os sons intensos do mundo que continua pulsando ao redor dela.
Resumindo, Tara estava na mesma vibe de todo mundo, querendo curtir, falar e gritar até ficar sem voz. Mas depois da perda da virgindade quase forçada, somos desafiados a entendê-la em sua quietude. Até quando fala, ela não está realmente dizendo o que sente. Porém, sua dor e falta de entendimento não são constantes.
Já a segunda vez, é mais violento ainda. É preciso enfatizar a forma como a atriz Mia McKenna-Bruce expressa a sua dor. Há um momento no filme que o olhar da personagem é um pedido de socorro, sem dizer nenhuma palavra. E isso muda tudo. Além de existir uma proteção do amigo do abusador, o que é uma realidade, as próprias amigas da protagonista não percebem que foi algo prazeroso para Tara.
Ao contrário de filmes como American Pie que fazem chacota do assunto com a linguagem do besteirol em relação às expectativas juvenis (especialmente as dos garotos), tirando onda com medos e inseguranças, criando momentos constrangedores com os quais parte da plateia pode se identificar e rumando inevitavelmente para um encerramento feliz em que lições são aprendidas e o futuro é positivo, How to Have Sex tem uma abordagem completamente diferente e mergulha de forma dramática e realista no tema.
O longa de estreia da diretora inglesa, nos faz sentir que estamos ali juntos nos “rolês” e tem o mérito de levar para as telas as sensações que vivem as suas personagens, inclusive a inveja e a falsidade entre as amigas. É um filme verdadeiro e que dói principalmente na mulher. Isso provoca boas e más impressões enquanto assistimos. Os acontecimentos nos transformam em confidentes, como se até os momentos finais, em que a protagonista finalmente vai ser compreendida por uma das amigas, nós fôssemos os únicos capazes de estar ali ao lado dela.
How to Have Sex é um poderoso drama que encosta no suspense, nos abalos psicológicos provocados pela violência contra a mulher e, principalmente, do consentimento que a sociedade tem com as mulheres. Mostra sutilmente como Tara é gradualmente aprisionada pelo seu próprio silêncio, que a impede de abraçar plenamente o seu estatuto de vítima daquelas noites de terrível loucura. O filme é um recorte da violência contra a mulher que pode gerar abalos emocionais. Ecoa a libertação do discurso pós #MeToo e por mais que toda mulher possa se identificar com os acontecimentos, todo homem deveria assistir.