Em Infiltrado na Klan, Spike Lee não foge da polêmica, entregando uma obra poderosa que aborda temas como racismo e fanatismo, utilizando uma história real para refletir sobre questões ainda atuais. A trama acompanha Ron Stallworth (John David Washington), o primeiro policial negro de Colorado Springs, que consegue, através de telefonemas e a ajuda de seu parceiro Flip Zimmerman (Adam Driver), se infiltrar na Ku Klux Klan. Em sua dualidade de tom, o filme é ao mesmo tempo intenso e absurdo, equilibrando uma narrativa séria com momentos de humor ácido.
Lee aproveita a ambientação dos anos 1970 para mostrar o quanto certas mentalidades ainda persistem. A sátira ao preconceito é feita com firmeza, mas sem sutilezas, especialmente nos momentos em que a narrativa se conecta aos dias atuais. O diretor não hesita em pontuar a obra com simbolismos políticos e comparações diretas, reforçando que a intolerância e a violência ainda têm ecos preocupantes no presente.
Apesar de o filme focar no lado absurdo da operação policial, o roteiro encontra espaço para discussões sérias sobre o impacto da violência simbólica e explícita. O antagonismo entre Walter Breachway (Ryan Eggold), um líder local que acredita numa abordagem mais “pacífica”, e Felix Kendrickson (Jasper Paakkonen), defensor de ações violentas, ilustra bem as diferentes vertentes do ódio dentro da própria Klan. Lee articula esses conflitos para construir uma crítica social que é tão divertida quanto aterrorizante.
Ao longo dos 135 minutos de duração, o filme transita entre o humor e cenas tensas de suspense, como o momento em que Flip, disfarçado de Ron, participa de um evento racista e precisa manter seu disfarce. John David Washington e Adam Driver têm química e suas atuações são fundamentais para sustentar a complexidade da trama. Topher Grace, interpretando o infame David Duke, entrega uma atuação surpreendentemente cômica e desorientada, evidenciando o absurdo da história.
Lee não apenas conta uma história, mas utiliza referências cinematográficas para reforçar suas críticas. Em uma sequência marcante, ele mostra como o clássico racista O Nascimento de uma Nação, de D.W. Griffith, foi usado como propaganda para alimentar o ódio e o racismo. Lee revisita a obra com uma perspectiva crítica, mostrando seu papel na reativação da Klan e o impacto de seu discurso até hoje, subvertendo qualquer idealização que o filme de Griffith possa ter recebido ao longo dos anos.
Outro ponto forte de Infiltrado na Klan é sua habilidade em fazer uma conexão com o presente. A narrativa dos anos 1970 contrasta com imagens e fatos de 2017, numa montagem que não deixa dúvidas sobre o posicionamento de Lee e sua crítica à situação atual. O filme, portanto, não é apenas uma recriação histórica, mas também um grito de alerta para o público moderno. Sem ser didático, o diretor sugere que as sementes do ódio do passado ainda germinam no solo da sociedade atual.
O estilo ousado de Lee pode não agradar a todos, mas sua honestidade brutal e o tom irônico são justamente o que tornam o filme tão único. A crítica social do diretor não é disfarçada, mas sim escancarada, e ele não faz concessões para agradar o espectador. Essa autenticidade confere um poder especial ao filme, que se destaca por abordar temas sensíveis sem perder a acidez e o sarcasmo.
Enquanto alguns filmes podem acabar se tornando meros produtos de entretenimento, Infiltrado na Klan se esforça para ser mais que isso. Ele é um convite para refletir sobre o racismo institucionalizado e como ele evoluiu (ou não) ao longo das décadas. O filme nos faz rir e nos deixa desconfortáveis na mesma medida, uma combinação que, claramente, Spike Lee domina com maestria.
Em suma, Infiltrado na Klan é uma experiência cinematográfica que mescla drama e comédia com um discurso político afiado, proporcionando uma reflexão importante e necessária sobre os rumos da nossa sociedade. O filme não é apenas sobre os Estados Unidos dos anos 1970, mas sobre o presente e o futuro, lembrando-nos da responsabilidade que temos em não repetir os erros do passado.