Janis: Little Girl Blue

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"Janis: Little Girl Blue" mostra todas as facetas dessa mulher

Depois do polêmico – sensível e realista – documentário Nina, sobre a poderosa cantora Nina Simone, vem em sequência outros longas sobre mulheres com vozes fortes e vidas repletas de controvérsia. Janis: Little Blue Girl, dirigido por Amy Berg, vai além de um documentário sobre a vida de uma jovem americana que emocionou multidões em festivais como Monterey Pop Festival (1967) e Woodstock (1969), mostrando a força de uma mulher que foi muito além do que o sonho americano pretendia para ela.

Na letra rearranjada de Little Blue Girl – uma canção popular de 1935, que também ficou famosa na voz de Nina Simone – Janis canta sobre a tristeza de uma garota, onde tudo ao redor dela parece estar ruindo, porém sugere força para continuar. A solidão é um tema predominante no blues, mas para Joplin era um mote, algo a ser sempre explorado e principalmente cantado com o corpo. No livro Só Garoto, da cantora Patti Smith, ela relata os encontros com Janis no famigerado Hotel Chelsea de Nova Iorque, contando que os últimos dias da cantora eram regados a álcool, drogas e uma obsessão pela solidão em contraponto com a fama e a forma que o público ovacionava sua performance. Janis Joplin sempre voltava sozinha para casa, mesmo fazendo o que mais amava – cantar – ela ainda se sentia deslocada do mundo e do momento.

Em Janis: Little Blue Girl todo esse sentimento e questionamento perante a arte e a vida é mostrado através das cartas que Joplin enviava a família. Elas se aproximam do espectador pela voz de Cat Power – pseudônimo da cantora Chan Marshall – que lê trechos que se conectam com momentos-chave na vida da cantora que, durante toda a década de 1960 viu sua vida ir ao clímax e sendo interrompida aos vinte e sete anos. Desde a descoberta de uma voz negra presa em um corpo branco – que já denunciava o desconforto da cantora diante de seus privilégios – passando pelo trabalho de desenvolvimento junto com o Big Brother and the Holding Company, a carreira solo e por fim, a morte em um momento de transição no fim da década que Janis Joplin viveu completamente, até o último segundo.

Entre cenas da época – que mostram a efervescência dos movimentos de contracultura -, fotos pessoais, registros de shows e depoimentos de familiares e amigos, Janis: Little Blue Girl vai dialogando com a cantora. Longe de ser uma boa garota, Joplin explodia e se reprimia em questão de segundos quando não estava cantando, era humana a priori de estrela ou de ídola de uma geração. O que é bastante significativo em vários documentários dirigidos por mulheres – sobre outras mulheres que a História se encarregou de estigmatizar ou esconder – é a total ausência de vitimismo ou mesmo de tragicidade que o discurso comum costuma as colocar. Em Janis: Little Blue Girl o tom é de empoderamento de uma real diva entre o blues, o soul, a era flower power e o cerne do que viria a ser ainda o rock dos anos de 1970. Janis Joplin viveu plenamente, até mesmo a sua tristeza que era desnuda e performatizada em cima do palco. Se era triste, não usava isso como arma e sim como alimento, se doava por completo e entregava – e ainda entrega sempre que a ouvimos – uma veracidade que ao mesmo tempo que a colocava em uma pilastra de artista, a aproximava de quem assistia na plateia.

As letras em primeira pessoa poderiam ser sentidas não apenas através da performance levada aos limites da emoção, mas principalmente porque Janis falava dela mesma e se sentia parte de algo maior, dialogando com as pessoas através de sua música. Janis: Little Blue Girl mostra todas as facetas dessa mulher, da garota triste do Texas, que sonhava em ser um pouco de Bessie Smith com Otis Redding, mas acabou sendo Janis Joplin, uma das vozes mais poderosas da história da música, ela por ela mesma.

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