Considere a ideia: uma comédia romântica sem nudez, sem sexo e sem beijos. Na verdade, também sem declarações de amor. O mais próximo que a protagonista chega de admitir seus sentimentos é dizer que ela poderia ter dançado a noite toda com o homem; o mais próximo que ele chega é comentar que está acostumado com o rosto dela. Poderia tal projeto acontecer hoje em dia? Provavelmente não – nenhuma produção como Minha Bela Dama ganharia sinal verde do estúdio sem garantias de que os elementos citados seriam adicionados para apimentar a produção.
Portanto, fico feliz que as circunstâncias e as expectativas fossem diferentes em 1964, quando a produção chegou aos cinemas. Tantos anos depois, o longa, que ganhou o Oscar de Melhor Filme, ainda se apresenta como um excelente musical.
As origens do filme remontam a Pigmalião, que depois foi adaptado para um musical da Broadway por Alan Jay Lerner e Frederick Lowe. A peça estreou em 1956. Somente sete anos depois que a adaptação cinematográfica foi produzida, com George Cukor no comando. Houve polêmica antes mesmo do longa começar a ser rodado. Enquanto Rex Harrison e Stanley Holloway foram chamados para os papéis que haviam protagonizado no palco, o papel de Eliza Doolittle, interpretada na Broadway por Julie Andrews (A Noviça Rebelde), então pouco conhecida, foi dado a Audrey Hepburn. (Bonequinha de Luxo). Em uma reviravolta irônica, Andrews ganhou o prêmio de Melhor Atriz naquele mesmo ano por Mary Poppins, enquanto Hepburn foi desprezada pela Academia.
Pode-se argumentar que Minha Bela Dama é uma das comédias românticas mais ricas e inteligentes já produzidas. O diálogo é brilhante: uma mistura perfeita de humor afiado e sátira. A verborragia travada entre Eliza e o professor Henry Higgins (Harrison) é deliciosa, assim como os vários outros personagens.
Rex Harrison nasceu para interpretar Higgins, e ele entrega cada fala com o vigor de alguém que aprecia a chance de estar ali (e cantar) diálogos tão deliciosos. Audrey Hepburn está radiante como Eliza e faz uma transição convincente de garota de rua para uma moça gentil. O elenco coadjuvante é maravilhoso e conta ainda com Jeremy Brett (durante os anos 1980 e 1990, ele se tornaria conhecido como uma das encarnações de Sherlock Holmes), o veterano britânico Wilfrid Hyde-White (cuja carreira durou seis décadas) e uma encantadora Gladys Cooper (de Rebecca, de Hitchcock) como a mãe de Higgins – uma mulher com uma língua ainda mais dura do que a de sua prole.
É impossível falar da produção sem mencionar seu visual único e inconfundível. Dos figurinos suntuosos aos lindos cenários, este é um filme no qual foi investido muito cuidado e carinho que transparecem na tela. Durante as décadas de 1970 e 1980, o brilhante Technicolor que caracterizava a coloração original desvaneceu-se a tal ponto que, durante uma cena estilizada, os pretos e brancos pareciam bege. Mas para o lançamento do 30º aniversário, em 1994, o filme foi cuidadosamente restaurado (pela mesma equipe que também ressuscitou Lawrence da Arábia, Spartacus e Um Corpo que Cai), devolvendo as cores à sua grandeza original. Ao mesmo tempo, a trilha sonora foi remasterizada em formato digital.
Poucos gêneros cinematográficos são tão mágicos quanto os musicais, e poucos deles são tão inteligentes e animados quanto Minha Bela Dama. É um clássico não porque um grupo de especialistas em cinema o rotulou como tal, mas porque foi, e sempre será, um filme delicioso de se experimentar. É também um dos poucos filmes de quase 3 horas no qual a duração se torna quase imperceptível. Você dificilmente terá momentos tão agradáveis como ao assistir Minha Bela Dama.