Noite Passada em Soho

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Noite Passada em Soho é um thriller psicológico incrível que oscila entre o glamour e a realidade num piscar de olhos

Em uma cena inicial do ótimo Noite Passada em Soho, de Edgar Wright, a veterana britânica Rita Tushingham, interpretando a avó amorosa da protagonista, Peggy, relembra a emoção, a música e a moda de Londres nos anos 60.

Tushingham, junto com Terence Stamp e Diana Rigg – sendo esse o último trabalho da atriz que eternizou o papel de Olenna Tyrell, em Game of Thrones – fornecem pequenas homenagens memoráveis de Wright para uma era do cinema britânico que ele claramente adora. Mas a familiaridade com esse tempo, seus ícones e seus estilismos gráficos não são um requisito deste lançamento cinematográfico. O público jovem vai curtir igualmente o thriller de viagem no tempo que se transforma em terror sangrento, mesmo que nunca tenha ouvido falar em A Bossa da Conquista, por exemplo.

Wright no seu melhor é um contador de histórias cheio de adrenalina com um espírito alegre que o empurra por um passeio vertiginoso cheio de cor. Em filmes como Em Ritmo de Fuga, ele demonstra as emoções viscerais para os espectadores através de um trabalho de câmera dinâmico, edição e trilha musical fantásticos, além da explosão visual de cor e design. Mas ele nunca permite que todas as contribuições da arte cinematográfica superem os ingredientes centrais da trama e dos personagens de suas histórias.

Há uma sensação contagiante aqui de um cineasta se divertindo, piscando de volta para suas próprias origens em Todo Mundo Quase Morto com um monte de personagens zumbificados em ternos cinza. Se isso já soa como mais do que você deseja saber, tome isso como um aviso para parar de ler.

No filme, acompanhamos Eloise (Thomasin Mckenzie, a jovem Carol Denvers, de Capitã Marvel), uma jovem apaixonada por design de moda que consegue, misteriosamente, voltar à década de 1960. Lá, ela encontra Sandie (Anya Taylor-Joy, de O Gambito da Rainha), uma deslumbrante aspirante a cantora por quem é fascinada. O que ela não contava é que a Londres dos anos 1960 pode não ser o que parece, e o tempo passa cada vez mais a desmoronar, levando a consequências sombrias.

A menção à esquizofrenia na trama é uma espécie de provocação – ou não? – em um roteiro que joga constantemente com reflexos e espelhos, posicionando Eloise como uma Alice Através do Espelho com elementos de terror e abuso sexual.

Banhado pelo brilho predominantemente vermelho de neon da sinalização do lado de fora da janela de seu quarto, Eloise puxa os lençóis sobre a cabeça para dormir e volta no tempo em sonhos que se tornam cada vez mais escuros e assustadoramente reais. Ela sai para as luzes cintilantes do Piccadilly Circus enquanto 007 Contra a Chantagem Atômica, de 1965, está em cartaz nos cinemas e o Café de Paris é o lugar que precisa ser conhecido.

Ela desce as escadas forradas de veludo daquele clube, transformando-se através do espelho da tímida Eloise na aspirante a cantora Sandie, uma visão sensual em chiffon rosa pastel com um penteado loiro lindíssimo. Eloise está se tornando Sandie ou está apenas observando-a? Wright continua confundindo o público por boa parte da projeção.

McKenzie é encantadora na maior dos dois papéis que interpreta aqui, com a inocência e fragilidade de Eloise evoluindo para revelar uma força surpreendente. E há um declínio interessantíssimo da postura sossegada de autodomínio da Sandie de Taylor-Joy, eventualmente reduzida a uma espécie de boneca quebrada. Ou pelo menos é isso que somos levados a acreditar.

Provavelmente ninguém está procurando por Wright para investigar comentários sobre a desigualdade de gênero, mas o efeito brutalizante da mercantilização sexual em uma jovem mulher autoconfiante que se perde em seus diversos abusos dá ao thriller uma nota de melancolia pra lá de bem-vinda.

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