Em O Beco do Medo, Guillermo del Toro nos leva por uma descida sombria e intensa ao explorar a vida de um vigarista ambicioso no mundo dos carnavais dos anos 1940. Adaptando o romance de William Lindsay Gresham, del Toro faz uma imersão no submundo do espetáculo itinerante e, posteriormente, no cenário urbano do filme noir, onde somos apresentados a uma galeria de personagens que vive à margem da moralidade. Com uma visão sem concessões, o diretor nos guia por uma jornada inquietante que se desdobra entre o encanto sombrio de um espetáculo e os jogos de manipulação de um habilidoso farsante.
Stan Carlisle, interpretado por Bradley Cooper, é um anti-herói que rapidamente se adapta ao mundo circense ao aceitar um trabalho temporário em um “circo dos horrores”. Com a ajuda de Zeena (Toni Collette) e Pete (David Strathairn), ele aprende truques de leitura fria e a linguagem codificada usada no show, vislumbrando uma chance de manipular a elite de Nova York e realizar o sonho de fama e riqueza. Contudo, a atração de Stan pelo estilo de vida cínico e seus métodos desonestos já revelam, desde o início, um caminho sem volta.
Ao lado de Molly (Rooney Mara), Stan se estabelece como o ilusionista “Grande Stanton” em um ato bem-sucedido e reconhecido. Mas a ambição desmedida o leva a arriscar cada vez mais, especialmente quando se envolve com a psicóloga Lilith Ritter (Cate Blanchett), uma figura ambígua que se torna tanto uma aliada quanto uma ameaça. A dinâmica entre Stan e Lilith é o ponto alto da narrativa: o jogo de manipulação entre os dois é envolvente, sugerindo desde o início que Lilith tem segundas intenções e que Stan está em uma enrascada maior do que consegue perceber.
A construção visual de del Toro está no seu ápice, trazendo o uso eficaz de sombras e iluminação que reforçam a atmosfera de tensão. As cenas no carnaval são permeadas por um ar de mistério e perigo, transformando o espaço em algo que ecoa desespero e perdição. A escolha de locações e o trabalho de câmera de del Toro em O Beco do Medo evocam o melhor do gênero noir, algo próximo do que Hitchcock poderia ter feito, se não estivesse limitado pelo Código Hays na época.
Com mais de duas horas e meia de duração, o filme peca levemente pelo ritmo, que em alguns momentos se alonga um pouco além do necessário. Contudo, del Toro opta por uma abordagem lenta, permitindo que a tensão se acumule, uma escolha que se alinha perfeitamente com a proposta de thriller noir. Stan é a personificação do anti-herói, alguém que se vê como invencível, mesmo quando os sinais de sua autodestruição estão por toda parte. Sua trajetória é traçada com precisão, mostrando como seu ego e a falta de um compasso moral o conduzem a escolhas trágicas.
Esta é a primeira vez desde Carol que Cate Blanchett e Rooney Mara se encontram em cena, embora suas interações sejam limitadas a uma única sequência. A relação de Molly com Stan é intencionalmente fria, deixando clara a ausência de química entre os dois, ao passo que Blanchett rouba a cena com sua interpretação da femme fatale. Sua relação com Stan é envolvente e perigosa, uma dança de manipulação onde nunca sabemos se ela o admira ou se está apenas usando-o para alcançar seus próprios objetivos.
O filme carece de momentos de humor ou alívio, mantendo a seriedade do começo ao fim. Com exceção de Molly, os personagens se revelam aos poucos como figuras de intenções duvidosas e traidoras. Essa escuridão não é superficial; ela permeia toda a narrativa, criando um ambiente implacável e sinistro. Em O Beco do Medo, del Toro evita qualquer traço de otimismo ou redenção, tornando a experiência envolvente e pesada.
Ao final, O Beco do Medo é um filme visualmente deslumbrante e moralmente desafiador, que não busca ser agradável. Ele deixa uma marca duradoura ao explorar a fragilidade humana e a ganância em um mundo onde todos parecem estar à beira da ruína. A jornada de Stan nos lembra que, quando mergulhamos profundamente na escuridão, ela pode se tornar nossa única companhia.