Na primeira cena de O Que Está por Vir, novo longa da diretora francesa Mia Hansen-Løve, a personagem Nathalie (Isabelle Huppert), em um barco, ao meio do inverno francês, corrige uma redação intitulada “Podemos nos colocar no lugar dos outros?”. É dessa forma que a protagonista é habilmente apresentada ao público como uma mulher repentinamente confrontada em não mais se colocar no lugar dos outros, mas sim, de reconhecer o seu lugar na própria vida.
Nathalie é professora de filosofia em um liceu parisiense, casada há vinte e cinco anos com um também professor de filosofia, tem dois filhos adultos, leva uma vida burguesa, mal fala sobre política e acredita estar vivendo uma perfeita vida comum. O período de calmaria na França passa a sofrer rupturas depois de repentinas reformas trabalhistas, política rígidas de imigração e um clima de insatisfação geral. Os alunos secundaristas de Nathalie são tomados pelo espírito revolucionário, acompanham as manifestações que acontecem no país e enfrentam a professora que incutiu neles o questionamento de si e da sua relação com o mundo.
O contexto da França, das mudanças sociais e de pensamento ficam em segundo plano em O Que Está por Vir pois o que nos interessa aqui são as mudanças de Nathalie, confrontada por outras gerações em não assistir sua vida passar de forma apática. Ao saber que o marido tem uma amante e irá sair de casa, ela começa, em um exercício natural da filosofia, a se questionar e realocar suas certezas diante da vida. Não é apenas o casamento que está ruindo, os filhos estão se tornando adultos e a mãe idosa está vivendo seus últimos dias. Nathalie se vê diante de uma nova vida em que apenas ela pode dar conta, um novo sentido de liberdade a ser experimentado.
Todo esse novo processo de redescoberta é colocado em cenas envolvendo filosofia clássica. Desde Rousseau, Voltaire, Schopenhauer e até alguns contemporâneos como Slavoj Žižek passam pelos confrontos da protagonista, como se ela, finalmente, conseguisse encarar a vida da forma que ensinou seus alunos durante todos os anos de profissão. Claro que esse processo não é é fácil, é bastante árduo e cheio de controvérsias, mas é engrandecedor tanto para Nathalie como para o espectador.
Isabelle Huppert está mais ativa como nunca. Há pouco protagonizou com Gerard Depardieu o ótimo O Vale do Amor, em seguida o polêmico Elle e agora O que Está por Vir marca um papel bastante interessante para atriz aos sessenta e três anos: uma mulher da sua própria idade em confronto, com questionamentos tão corriqueiros mas tão poucos protagonizados por mulheres no cinema. A necessidade de sempre existir o que se chama de mulher forte – um padrão no cinema ou literatura em que mulheres ou são cruéis demais ou sofrem agruras muito pesadas – levam a arte a retratar mulheres sempre de forma deslocada. Com a diretora Mia Hansen-Løve não é bem isso que acontece, já conhecida por retratar a mulher contemporânea e seus conflitos, ela acaba pedindo ainda mais da atriz. Arrisco dizer que Isabelle Huppert está imensamente melhor como Nathalie do que como a elogiada Michèle de Elle. Em O que Está por Vir a atriz se arrisca em sair da caracterização ao extremo de um personagem e ficar mais próxima da realidade, da sua própria vida real.
O que Está por Vir é um longa de concepções simples mas extremamente pertinente e repleto de pequenas peculiaridades e ironias. Mia Hansen-Løve retorna Isabelle Huppert a seus primeiros papéis e faz disso uma forma de, não apenas, repensarmos as representações das mulheres no cinema mas também de prestarmos atenção na riqueza de roteiro corriqueiros que se confundem entre ficção e realidade.