O Sacrifício do Cervo Sagrado

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Em "O Sacríficio do Cervo Sagrado" Yorgos Lanthimos retrata o absurdo diante da coerção simbólica

Na última década o realizador grego Yorgos Lanthimos vem construindo uma carreira prolífica e com um perceptível projeto cinematográfico. Mesmo com orçamentos maiores, como aconteceu a partir de O Lagosta, o diretor continua mantendo firme as características e estratégias muito particulares de seus filmes. Seguindo esse ritmo O Sacrifício do Cervo Sagrado mantém o elevado grau de construção de narrativa, conduzindo o espectador pelos silêncios e friezas dos personagens, que se relacionam intrinsecamente com os ambientes e são levados aos seus próprios clímax através de violências que beiram ao absurdo.

Steven (Colin Farrel) é um cardiologista bem sucedido com uma família perfeita: a esposa Anna (Nicole Kidman) e os dois filhos Kim (Raffey Cassidy) e Bob (Sunny Suljic). O médico mantém uma relação aparentemente estranha com Martin (Barry Keoghan), um adolescente que perdeu o pai na mesa de cirurgia. Pouco sabemos do passado do cardiologista e do menino, porém é claro que ele mantém a relação com o jovem por conta de sentir-se culpado pela perda do paciente. É verdade que ele gosta de Martin e se esforça ao máximo para torná-lo minimamente feliz, porém quando o garoto passa a ultrapassar os limites da privacidade da relação as coisas passam a ganhar outros contornos e a clareza da vida do médico e de sua família passa ao caos, levando a todos a atitudes extremas, fazendo de tudo para que a vida volte ao normal.

As relações humanas continuam sendo um tema bastante explorado por Lanthimos. Parece que ele sempre consegue tirar mais de seus personagens que são ora apáticos, ora levados pelas atitudes mais extremas. Em O Sacrifício do Cervo Sagrado fica muito clara a relação do diretor com a filosofia do absurdo, explorada antes por Kierkegaard e depois por Albert Camus. Assim como Abraão, descrito pelo filósofo dinamarquês, aceita o pedido de Deus, sem questionar, para matar seu filho como prova de amor, Steven não é apenas coagido por Martin, ele age de forma como se a única saída fosse executar as cobranças persuasivas do adolescente. A coerção simbólica que leva ao ato da violência real é muito bem explorado pelo diretor grego, tema que já havia sinalizado no longa Alpes, por exemplo.

Os ambientes em cena são claros, espaçosos e limpos. Como se fosse uma espécie de mundo distópico a la Black Mirror, essas pessoas vivem imersas em convenções e regras sociais muito definidas, o que torna muito mais extrema a quebra de padrões. A família de Steven é perfeita e encaixada, não espanta que Martin queira fazer parte desse ambiente ou simplesmente queira bagunçá-lo apenas pelo prazer da desordem, do teste dos limites do seu próprio poder.

Colin Farrel, agora no seu segundo trabalho com o diretor, parece se sentir ainda mais confortável com um personagem aparentemente apático porém levado aos seus limites. Como se encontrasse uma roupa perfeita, Farrel funciona muito bem nos ambientes propostos por Lanthimos. O elenco conta ainda com a excelente Nicole Kidman, em contraponto com o personagem do marido. Mas o destaque de O Sacrifício do Cervo Sagrado fica por conta do jovem Barry Keoghan (Dunkirk) que conduz boa parte da narrativa com uma vileza e poderes próprios, deixando claro que a noção de hierarquia inexiste quando há interesses em jogo.

“Se você quiser filosofar, escreva romances” disse o já citado Albert Camus. Em O Sacrifício do Cervo Sagrado, assim como nos trabalhos anteriores, Yorgos Lanthimos consegue colocar em cena uma série de representações simbólicas que trazem á tona discussões filosóficas já propostas ao longo do tempo pela filosofia. Porém, essas discussões surgem com uma roupagem muito próxima do real, dos nossos cotidianos, conseguindo potencializar os temas. Até onde iríamos para obter uma suposta paz, um retorno à normalidade? A resposta está no sentido de absurdo que guardamos dentro de nós.

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