Oeste Outra Vez

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“Oeste Outra Vez”: O humor cruel de um faroeste moderno

A fronteira entre a comédia e a tragédia é frequentemente tênue, e Oeste Outra Vez explora essa linha com precisão cirúrgica. O diretor Erico Rassi transforma o sertão de Goiás em um cenário de faroeste, mas o duelo aqui não é apenas entre rivais armados — é entre homens e sua própria incapacidade de existir fora da violência. O filme retrata um mundo onde a solidão não é só um estado de espírito, mas um destino inevitável, reforçado pela aridez da paisagem e pelo ciclo vicioso da brutalidade.

Diferente dos westerns clássicos, que mitificavam a figura do homem solitário e destemido, Oeste Outra Vez trata seus protagonistas com ironia ácida. Totó (Ângelo Antônio) e Durval (Babu Santana) são figuras que carregam a sisudez dos cowboys de outrora, mas suas tentativas de grandeza esbarram em um cotidiano patético, repleto de falhas e contradições. A rivalidade entre eles, que poderia render um épico grandioso, se desenrola de forma cômica e absurda, como se os personagens não percebessem o quanto estão presos a um código de conduta que os torna reféns de si mesmos.

O humor do filme, aliás, não vem de piadas óbvias, mas da observação precisa da masculinidade disfuncional. A formalidade exagerada nos diálogos — os “sim, senhor” e “não, senhor” ditos com rigidez mecânica — é um escudo que mantém qualquer traço de vulnerabilidade à distância. Como em Onde os Fracos Não Têm Vez, dos irmãos Coen, a violência explode repentinamente, sempre impregnada de um senso de ironia cruel, tornando-se tão inevitável quanto a poeira que cobre tudo naquele cenário árido.

A estética do filme reforça esse jogo entre grandiosidade e decadência. A fotografia de André Carvalheira enche a tela de amarelos queimados, marrons saturados e amplos espaços vazios, evocando o western clássico, mas também sublinhando o isolamento dos personagens. Não há respiro na vastidão do sertão — pelo contrário, ele os engole, tornando cada embate menos uma questão de honra e mais um grito no vazio.

No entanto, há um momento em que o riso dá lugar a uma melancolia profunda. À medida que o filme avança, torna-se evidente que os personagens não lutam apenas entre si, mas contra o próprio destino. Totó, em particular, carrega no olhar uma consciência tardia de sua ruína, como se percebesse, no meio da estrada, que já passou do ponto de retorno. Ângelo Antônio entrega uma atuação contida, mas devastadora, transmitindo, com mínimos gestos, o peso de uma vida desperdiçada.

A sequência final amarra essa trajetória com maestria. Em um clímax que é ao mesmo tempo cômico e cruel, Oeste Outra Vez desmonta qualquer ilusão de redenção ou glória. Rassi não faz concessões: sua fábula sobre homens que se destroem sem perceber que poderiam simplesmente parar é amarga, cortante e, por isso mesmo, brilhante.

No fim, resta apenas o eco de passos solitários na poeira, a trilha sonora de uma masculinidade condenada a se repetir — sempre violenta, sempre patética, sempre tarde demais para ser outra coisa.

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