Como Meninos

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“Como Meninos” trata da história do primeiro time de futebol feminino francês depois da proibição na 2ª Guerra Mundial

Começando pelo título, Como Meninos é um longa repleto de erros com supostas boas intenções. Tentando homenagear, o que eles chamam de, o primeiro time de futebol feminino francês a comédia só consegue sabotar a história de mulheres que se organizaram, no começo de década de 1970, para jogarem futebol e, também, se divertirem com o espírito esportivo que parece ser uma das características mais humanas que temos.

Em 2019 a França sediará a copa feminina de futebol e Como Meninos chega como uma lesão das mais doloridas nas pernas das atletas. O filme se passa na comuna de Reims, na virada da década de 1960 para 1970, e foca no jornalista esportivo Paul Coutard (Max Boublil) e seu intenso deboche com o treinador do time local, um ex-jogador conhecido que naquele momento coordena um dos times mais importantes do país. Ao ser punido pelo jornal em que trabalha por mais uma briga, o repórter é obrigado a ajudar na organização da feira anual, uma espécie de carnaval, que entre outras atividades, apresenta um espetáculo. Como um repórter esportivo, machista e mulherengo, ele acha que seria no mínimo curioso um time de futebol com mulheres.

A partir daí, tudo o que acontece é uma sucessão de clichês sobre a condição das mulheres naquele período e como os homens podem se divertir diante de situações como a de donas de casa pedindo autorização aos maridos para jogarem futebol. A questão é que tudo isso não é engraçado, não da forma que Jullien Hallard e os outros três roteiristas homens constroem a narrativa. Por exemplo, o time é montado depois de Coutard entrevistar várias mulheres que viram a chamada no jornal. Todas são clichês de mulheres lésbicas, mulheres entediadas em suas vidas suburbanas, mulheres sem interesse pelo esporte porém bonitas e atraentes. É como se ele propusesse, como um homem empenhado, a fazer um grande milagre com o que tinha em mãos, mostrando que podia adestrar todas e ser beneficiado com isso.

Há bons momentos, como por exemplo naqueles em que as mulheres percebem que juntas fazem o time funcionar, agindo sempre em equipe e trazendo reflexões para fora desse espaço. As mulheres percebem que para jogar futebol não há superioridade de gênero e sim treino e tática. Os momentos de disputa com os órgãos regulamentadores do esporte, que faziam de tudo para não liberarem o esporte, deixa clara a profundidade das situações criadas durante a Segunda Guerra. Homens engravatados decidem se mulheres podem ou não jogar futebol. O que o filme não deixa claro é que esse time não é o primeiro da história francesa e sim um renascimento do futebol feminino que, no início do século XX, já tinha marcado presença em vários pontos do país. As mulheres foram proibidas nos anos de 1940, inclusive no Brasil durante a ditadura da Era Vargas, a praticarem o esporte. Portanto, Como Meninos é inconsequente em não mostrar a sua importância como recorte histórico, mesmo que pelo viés do riso, em retratar momentos de resistência por uma comunidade apaixonada por um esporte.

Há algum tempo que o cinema francês aderiu às velhas fórmulas do estilo comercial estadunidense, Como Meninos deixa muito clara a referência às tradicionais comédias românticas. Uma das personagens principais é a secretária do jornal Emanuelle Bruno (Vanessa Guide), uma moça que nitidamente não gosta de Paul. Emanuelle é um clichê sem defeitos: bonita, escondida atrás de óculos que mostram a sua inteligência, gosta de futebol, porém tem poucas falas realmente interessantes e age de forma muito contida, nitidamente mal dirigida. Paul só a percebe quando usa o uniforme e o shortinho mostra que ela não é aquilo que se apresenta no local de trabalho, nem preciso dizer para onde a relação dos dois caminha.

A escolha pela via do riso é interessante como recurso narrativo, muitas vezes, de histórias que guardam consigo grandes batalhas e esforços de todos os lados, nesse caso, inclusive, entre homens e mulheres. Mas em Como Meninos a tentativa de gerar riso acabou causando algo que vem há algum tempo sendo discutido no meio, que é a piada pela humilhação, pelo reforço de preconceitos e de padrões na sociedade. Comediantes como a Hannah Gadsby, roteiristas e diretoras como Jill Solloway e muitas outras mulheres como Mellissa McCarthy e Julia Louis-Dreyfuss, que durante muito tempo estiveram nesses papéis subalternos, questionam o olhar de quem filma, refletindo no olhar de quem assiste.

O título do filme em inglês clama pelo o que o roteiro não faz: deixe as meninas jogarem, deixe elas contarem a sua própria história ou seja minimamente honesto com a história delas. Espero que o filme inspire outras realizadoras, roteiristas e atrizes a contarem histórias outras de luta das atletas que, ainda, passam por situações dignas de ficção mas com o pesar da realidade. O futebol feminino no mundo inteiro, inclusive na França que tem grandes times, é uma realidade dura para as mulheres e não uma brincadeira de egos de um jornalista e jogadores aposentados. Infelizmente, não tem graça.

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