Só Ao Meu Desejo

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“Só ao Meu Desejo” traz novos olhares para a construção de narrativas eróticas e desejo de mulheres em cena.

O desejo de mulheres costuma ser bastante romantizado (e moralmente realizado) no cinema, e a condição de misturar trabalho e libido ainda mais. Desde, pelo menos, o clássico da literatura Madame Bovary (Flaubert, 1857), o desejo feminino é explorado mais como um ponto fora da curva de vivências que deveriam ser enquadradas em relacionamentos com regras pré-estabelecidas e dentro de ideias de normalidade. A protagonista do livro clássico mencionado teve que ser punida por sentir desejo e tentar alcançá-lo. Vários discursos moralistas surgem dessa representação e o cinema francês está cheio deles, como por exemplo filmes do calibre de A Bela da Tarde (1967), de Buñuel, ou Jovem e Bela (2013), de François Ozon: se uma mulher deseja trabalhar em prol do desejo, o seu lugar só pode ser o da decadência. Essa situação só começa a mudar com novas narrativas vindas de diretoras, como é o caso de Só ao Meu Desejo, de Lucie Borleteau.

No longa acompanhamos Manon (Louise Chevillotte), uma jovem que largou o doutorado em geografia e começa a trabalhar em um clube de striptease bastante conceitual. O clube é de alta linha porque não executa apenas as danças individuais para clientes, mas também oferece uma espécie de teatro onde as dançarinas se apresentam e vão além das danças eróticas (até uma peça de Tchecov aparece por lá). Manon começa a conviver com as colegas de trabalho e um novo mundo se abre para ela, que começa a questionar vários limites da sua vida; desde o campo intelectual, a genderização dos seus desejos, como lida com o próprio corpo e até mesmo os planos para o futuro.

Só ao Meu Desejo executa um passeio pelo carrossel de emoções que se torna a vida da protagonista ao conviver com outras mulheres tão diferentes dela mas que trabalham no mesmo lugar. Nesse aspecto o filme segue os padrões de dramas corriqueiros com esse tema e apresenta situações que envolvem tudo que há de atual na sociedade francesa: há imigrantes querendo sustentar as famílias, jovens sonhadoras com carreiras de artistas, outras ambiciosas em relação ao status e dinheiro e, também, mulheres que sabem que seus corpos envelheceram e precisam lidar com isso. O filme cria essas tensões e vai desenrolando em um tom que não ultrapassa limites. As mulheres que trabalham no clube À mon seul désir (o nome do filme em francês) são responsáveis por si mesmas, não são apenas vítimas tolas do sistema e sabem qual é o seu trabalho, mesmo que vivam suas próprias verdades fora daquele lugar. Claro que ainda existe violência, misoginia etc. em vários comportamentos dos clientes que são, em sua grande maioria, homens cis e heterossexuais.

Os pontos altos de Só ao Meu Desejo estão em não insistir na questão apontada no começo, sobre a moralidade punitiva que costumam trazer as narrativas sobre mulheres que trabalharam com o corpo. Aqui há a ambição e há o desejo, apesar do desfile de corpos padrão que existe nesse lugar, o que fala mais sobre onde reside o desejo “que vende”. O longa não se limita a ser heteronormativo, mesmo que o espaço do clube seja esse lugar porque assim é a lógica de mercadoria do erótico. E o ponto mais interessante: a direção se preocupa com o olhar que mantém ao longo do filme, afinal são muitos corpos nus e que lidam justamente com o desejo do olhar. O uso das luzes do clube, onde tudo acontece a maior parte do tempo, são realçadas pelo trabalho conjunto das direções de arte, fotografia e figurino, colaborando nessa construção do female gaze em direção à sensualidade.

Já os pontos negativos do filme estão na possível romantização da profissão tanto de stripper quanto da prostituição que acompanha algumas das personagens. Apesar de algumas salientarem em cena que estão em situação de privilégio – clube de alto padrão, fora das ruas etc. –, Só ao Meu Desejo pode, em alguns momentos, deixar de lado a discussão mais responsável sobre desejo, gênero e capitalismo. No mais, o longa traz boas discussões tanto sobre noções de desejo, sexualidade e a moralidade que isso abarca. Ainda, executa e propõe outras maneiras de discutir a escopofilia (o prazer sexual que vem da observação de algo erótico) em cena.

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