Triângulo da Tristeza oferece uma sátira implacável sobre o mundo dos ricos e a superficialidade de suas vidas, conduzida com a precisão de um bisturi pelo diretor sueco Ruben Östlund. Dividido em três capítulos, o filme traça a trajetória de Carl (Harris Dickinson) e Yaya (Charlbi Dean), um casal de modelos e influenciadores que tenta se adaptar ao universo de luxo em um cruzeiro para bilionários. O resultado é um retrato ácido e cômico da elite, que é exposta ao ridículo e à própria hipocrisia em situações que vão do absurdo ao grotesco.
O primeiro capítulo, “Carl e Yaya”, introduz o casal em uma dinâmica de poder já desequilibrada. Aparentemente apaixonados, os dois revelam gradualmente a profundidade de sua relação superficial. Durante um jantar caro, a questão de quem paga a conta é um momento revelador, expondo a desconfortável diferença de status e os problemas financeiros de Carl. Através de diálogos secos e situações constrangedoras, Östlund captura a banalidade e a futilidade que compõem a vida de aparências do casal.
Em “O Iate”, o segundo capítulo, Carl e Yaya são transportados para um mundo onde a riqueza é a verdadeira moeda de troca. Cercados por figuras excêntricas e bilionárias, como o oligarca russo Dmitry (Zlatko Buric) e o programador rico em excesso que distribui Rolexes como brindes, o casal observa a rotina surreal dos passageiros. Eles logo percebem que, na hierarquia do cruzeiro, são meros espectadores da vida dos ultra-ricos, que não conseguem ouvir um “não” e vivem em uma bolha de privilégios absurdos.
A sátira atinge seu ponto alto na cena do “Jantar do Capitão”, uma das sequências mais grotescas e memoráveis do filme. Enquanto a tempestade balança o iate, a opulência do jantar rapidamente se transforma em caos. A sequência é uma crítica feroz ao desperdício e à decadência, simbolizada pelo capitão comunista (Woody Harrelson), cuja presença esporádica adiciona uma camada de ironia com sua recusa em aderir às normas dos ricos que comanda.
Após o desastre, o terceiro e último capítulo, “A Ilha”, inverte a ordem social e dá início a uma nova dinâmica. Presos em uma ilha deserta, o grupo de milionários se vê totalmente dependente de Abigail (Dolly De Leon), uma simples faxineira do iate que agora detém o verdadeiro poder. Aqui, o dinheiro perde seu valor, e Östlund desafia o status quo, explorando como o poder muda de mãos em um ambiente onde a sobrevivência é a prioridade.
A sátira de Östlund não poupa ninguém, destacando o quanto os ricos são desconectados da realidade. Um passageiro exige que as “velas” do iate sejam limpas, sem perceber que o barco sequer possui velas. Esses momentos expõem a alienação e a falta de habilidade prática da elite, que, fora de sua zona de conforto, se revela completamente inútil e dependente daqueles que normalmente desprezam.
Woody Harrelson, embora tenha um papel pequeno, rouba a cena em momentos-chave, especialmente no duelo ideológico com Dmitry, onde trocam citações capitalistas e marxistas em um embate cômico e ácido. Esse diálogo é uma das cenas mais marcantes, pois exemplifica a farsa que é a ideologia dos ricos, usada como uma máscara em meio à sua vida de excessos e desperdícios.
À medida que o filme avança, Carl e Yaya, que antes eram o foco da narrativa, perdem espaço em meio ao crescente absurdo da situação. Eles se tornam quase irrelevantes diante da crítica social mais ampla que Östlund pretende construir. Esse deslocamento sugere que, no fim das contas, todos são apenas peças descartáveis em um jogo maior de poder e privilégio, o que reforça a natureza impessoal e indiferente da sociedade que o filme crítica.
Embora o filme seja envolvente e carregado de humor mordaz, Triângulo da Tristeza às vezes peca pelo excesso. A repetição de algumas cenas e o tom prolongado dão a sensação de que o filme poderia ter sido mais conciso sem perder seu impacto. Ainda assim, o estilo distintivo de Östlund oferece momentos de pura originalidade e provoca reflexões sobre as diferenças de classe e o valor do ser humano na sociedade contemporânea.