Se em Lolita, de 1962, o tema pedofilia era muito controverso para Hollywood naquela época, mais de meio século depois, Blackbird, a peça de David Harrower, de 2005, chega aos cinemas através da adaptação Una, para nos leva a pensar sobre o mesmo assunto, sem nenhuma amarra.
Não é preciso dizer que Una não é um filme fácil de assistir, em parte porque não trata apenas do ato de pedofilia em si (nunca retratado diretamente), mas também de suas consequências. O filme expõe feridas criadas que ainda estão abertas muito tempo depois que o inapropriado relacionamento terminou.
Quando Una (Rooney Mara, que faz um papel tão danificado quanto a sua Lisbeth Salander de Millennium – Os Homens que Não Amavam as Mulheres) demonstra que ela nunca deixou de amar seu vizinho mais velho (Ben Mendelsohn, o vilão de Rogue One: Uma História Star Wars), é de se imaginar que parte da plateia ficará desconfortável com a situação – como ocorreu no Festival de Cinema de Telluride, onde o filme teve sua estreia mundial.
Aqui há uma mulher que já não valoriza sua própria sexualidade, mas reconhece o seu poder sobre os outros. Seu coração ainda pertence ao homem que lhe roubou a capacidade de experimentar a intimidade. É quando Una esbarra em informações sobre Ray que ela acaba voltando a sua vida para descobrir como ele fez para seguir em frente após o ocorrido do passado.
Nas mãos de Mara, Una não é apenas danificada é quase louca. Sua fixação em Ray é tão intensa que quase sentimos pena dele. Ele pode ter arruinado sua vida, prometendo levá-la para a Europa, só para em seguida abandoná-la em uma cidadezinha pequena, mas não há dúvida que ela iria arruinar a vida dele se ele não convidasse essa mulher frágil e determinada para voltar a sua vida.
O olhar de Mara transmite o vazio profundo que Una sente quando Ray não está com ela. É como se Dolores Haze, de Lolita, tivesse crescido e Una mostrasse as implicações do que aconteceu na psique da personagem. Um belo estudo de personagem, inclusive!