Vidas Passadas

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Indo na contramão de ideais de amor romântico, “Vidas Passadas” valoriza os momentos em si, confiando mais nas relações do que na idealização.

Quase sempre tudo o que precisamos é de uma boa história – bem contada –, onde todas as expectativas mais corriqueiras são desmontadas e saímos plenamente satisfeitas porque a vida e a ficção podem se juntar e apontar a beleza de outras perspectivas. O caso de Vidas Passadas, de Celine Song,  diretora sul-coreana-canadense, é esse tipo de narrativa que é quase banal, mas que fisga quem assiste pela montagem da história em si e na qualidade do tête-à-tête entre as personagens.

O filme começa com uma ótima cena, onde somos as pessoas em um bar, olhando para outras três que conversam do outro lado. Deduzimos quem elas são e a partir daí podemos elaborar sobre o que as trouxe até ali: conhecemos a história de amizade, e consequente descoberta da paixão, dos pequenos Nora e Hae Sung, duas crianças sul-coreanas. A família de Greta está prestes a imigrar para o Canadá e ela e Hae Sung tentam entender o processo de despedida, acabando por fazê-lo de maneiras completamente diferentes. Logo de cara temos de um lado o desapego, apesar das dificuldades da imigração; do outro, um apego e romantização do passado. A história avança em 12 anos e conhecemos a dramaturga Nora (Greta Lee) que encontra o amigo Hae Sung (Teo Yo) nas redes sociais, em uma espécie de incursão saudosista. São horas de conversa na língua materna e a certeza que algo os conecta. Porém, cada um tem a sua vida: Nora quer um dia ganhar um Pulitzer de dramaturgia nos Estados Unidos; Hae Sung estuda engenharia e viaja pela Ásia. A iniciativa de um encontro não acontece, Nora decide romper o relacionamento sem nome à distância e a vida segue. Mais doze anos se passam e finalmente a oportunidade surge. Porém, depois de 24 anos, o que existe? No que acreditam? Nora é casada há mais de uma década e Hae Sung acaba de se divorciar.

Celine Song faz de Nova Iorque o espaço clichê necessário para esse encontro. Nora completamente adaptada põe em cheque uma identidade de imigrante que só pode acontecer naquele pedacinho dos Estados Unidos. Hae Sung só fala coreano e está ali para finalmente olhar a amiga de frente. Nessa segunda parte, em que os dois andam pela cidade, Vidas Passadas nos coloca como observadoras atentas desse jogo que é sobre amor e paixão, mas também sobre identidades e as escolhas feitas em nome destas. Há algo de primordial na amizade dos dois, mas foram muitas vidas vividas para chegar até o presente. Como dramaturga, Song elabora, com a direção de arte, fotografia e cinematografia em geral, a construção de cenas atreladas aos diálogos – como troca de olhares e os dois corpos que andam e se relacionam –, tornando o filme bastante íntimo mesmo que dependente do espaço externo da cidade, trazendo ecos do cinema de Hong Sang-soo, por exemplo.

Porém, mesmo que existam esses diálogos com outras diretoras e diretores, especialmente da cena contemporânea da Coreia do Sul, Vidas Passadas é um filme feito no entre-lugar da imigração, assim como no da dramaturgia com o cinema. Ainda, enquanto temática, é um longa que consegue, com uma sensatez peculiar, explorar a qualidade das relações em si, dos momentos compartilhados, em vez de idealizar as premissas do amor romântico. Destaque em especial para Greta Lee que, junto com Celine Song (sem entrar no mérito de ser o seu duplo ou não), executa habilmente a tarefa de ser uma protagonista de uma história de amor. Enfim, Vidas Passadas nos faz refletir mais sobre a multiplicidade de vidas que valem a pena serem vividas, do que de uma única, carregada de culpa das escolhas feitas.

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