Retratar eventos históricos através do cinema exige mais do que a simples reconstituição dos fatos. Em A Batalha da Rua Maria Antônia, a diretora Vera Egito adota uma abordagem estilística arrojada para reviver um dos episódios mais marcantes da resistência estudantil durante a ditadura militar brasileira. A escolha pelo preto e branco contrastado e pelo formato de imagem mais quadrado não apenas conferem identidade visual ao filme, mas também reforçam a atmosfera claustrofóbica e a tensão crescente da narrativa.
A estrutura do longa, dividida em 21 planos-sequência, dá um ritmo quase documental aos eventos, colocando o espectador dentro da movimentação dos estudantes. O uso desse recurso, porém, traz um efeito ambivalente: se por um lado aumenta a imersão, por outro pode perder força ao fragmentar o tempo presente em segmentos relativamente curtos. A sensação de urgência é evidente, mas a promessa de um grande plano-sequência contínuo – como visto em filmes como 1917 – acaba não se concretizando da mesma forma.
Ainda assim, o filme se destaca pelo domínio da encenação e pelo equilíbrio na condução de múltiplos personagens em cena. Vera Egito consegue orquestrar um verdadeiro caos organizado, guiando a atenção do público mesmo em meio a protestos fervorosos e discussões acaloradas. Há um compromisso claro em representar os dilemas políticos da época sem abrir mão de uma estética que dialoga com o cinema contemporâneo.
No entanto, nem todas as escolhas narrativas se mostram tão eficazes. O desenvolvimento de triângulos amorosos, por exemplo, parece deslocado dentro do contexto explosivo do filme. Em meio a um cenário de conflito iminente, as relações sentimentais dos personagens acabam soando artificiais e apressadas. A tentativa de construir uma jornada de amadurecimento para figuras inicialmente alheias ao movimento estudantil, que rapidamente se tornam peças-chave da resistência, carece de maior organicidade.
Há, porém, um cuidado evidente na forma como o filme evita caricaturas e simplificações. Diferentemente de muitas produções que abordam o período da ditadura, A Batalha da Rua Maria Antônia não reduz seus personagens a meros símbolos políticos. Ao contrário, apresenta um grupo plural, onde a militância não é homogênea e as contradições individuais ganham espaço. Essa perspectiva enriquece a obra, tornando-a mais do que um simples exercício de memória histórica.
No fim, a ousadia estética e a ambição narrativa de A Batalha da Rua Maria Antônia fazem dele um filme relevante dentro do cinema político brasileiro. Ainda que algumas escolhas possam soar excessivamente estilizadas ou artificiais, a obra cumpre seu papel ao reviver um momento crucial da história nacional com potência visual e intensidade dramática. Não é um filme que busca apenas retratar o passado, mas também provocar reflexões sobre o presente – e nisso, sem dúvida, é bem-sucedido.