Estou Pensando em Acabar com Tudo

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Netflix aposta nas expectativas de um relacionamento pessimista sob o olhar feminino no novo longa de Charlie Kaufman.

O título do filme e tudo que envolve sua ideia principal soa estranho para o catálogo linear da Netflix, cheio de ficção científica, corridas espaciais, dramas e comédias que seguem uma certa cartilha. Em Estou Pensando em Acabar com Tudo, a cronologia já é um desafio para se desvendar, além da construção de suas narrativas por metáforas.


Basicamente o discurso do filme é sobre a percepção da vida a dois pela ótica da personagem principal, interpretada pela excelente Jessie Buckley (Chernobyl), que está pensando em acabar inicialmente com seu namoro recente com Jake (Jesse Plemons), que para ela parece uma eternidade, já que não enxerga futuro na relação, mas esse sentimento de colocar um fim também carrega a melancolia da vida como um todo e serve de gancho para o visual gelado e triste do filme. Em uma viagem para a fazenda dos pais de seu namorado, a protagonista se prende numa realidade que condensa situações clichês de família e nessa expectativa do próximo passo do relacionamento que nem ela sabe se considera. Durante a visita ela segue tendo presunções do passado sobre os comportamentos em volta da criação de Jake e a vida desgastada e óbvia do casal de sogros, brilhantemente interpretados por Toni Collette (Hereditário) e David Thewlis (Mulher-Maravilha).


Quando o roteiro nos leva nessa viagem de curta distância que parece uma tortura por conta da tempestade de neve, da nítida falta de afinidade do casal e da automatização com que as mulheres operam no sentido de aceitarem certas coisas mesmo discordando, fica claro um objetivo vaidoso de desconstrução, em que o par romântico da protagonista não é o cara mais interessante. Seus talentos e repertórios parecem se moldar quase como uma cópia de sua namorada e a insegurança suprimida dele torna toda a análise e jornada da protagonista muito coerente, já que seu sentimento por ele se acomoda em arrependimento e deboche.

O amor e o tempo são peças importantes nesse quebra-cabeça, onde você se encontra envolvido por uma situação narrada pelos personagens e logo em seguida a quebra do tempo e realidade faz você repensar tudo que foi dito no segmento anterior e deixa no ar um sentimento de liquidez e vazio, assim como cada recomeço ou tempo zerado. Nesse salto é como se os personagens não se reconhecessem mais e trouxessem um aspecto cada vez mais sombrio e alarmante sobre o relacionamento entre eles. Nesse ponto, o filme emplaca um pessimismo crítico sobre o machismo e derruba os sentimentos do personagem masculino como não importantes ou espetaculosos demais, beirando uma dramaticidade que só se espera das mulheres. E faz o mesmo exercício quando explora a sinceridade feminina onde ela só se encontra livre de um homem que a aborda em um bar quando está na companhia de outro homem. Num desses discursos da personagem de Buckley é quando percebemos o aprisionamento de sua existência numa ideia incômoda de submissão.


Com grafismos interessantes, escolha por tela full screen mais intimista e assinatura pesada do cineasta Charlie Kaufman, o longa apresenta uma direção técnica inteligente de câmera e montagem na construção de seu universo escuro e melancólico, além de atores incríveis que sustentam cada etapa na construção de uma história cheia de papo cabeça e bizarrice proposital.

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