Harry Potter e o Enigma do Príncipe marca um ponto de transição crucial na saga, onde a narrativa cinematográfica começa a se preparar para o confronto final entre Harry Potter (Daniel Radcliffe) e Lord Voldemort (Ralph Fiennes). Embora o filme tenha seus méritos, ele também sofre com o que podemos chamar de “síndrome de preparação”, onde muito do enredo é dedicado a estabelecer eventos que terão um desfecho nas próximas produções.
Os fãs mais fervorosos dos livros podem sentir falta de uma exploração mais profunda da história de Voldemort, que é significativamente reduzida no filme. Isso cria uma lacuna que pode deixar os espectadores que não leram os livros confusos com alguns dos acontecimentos. Apesar de o filme ter 153 minutos, a trama central parece insuficiente para justificar essa duração, e muitas cenas parecem estar ali apenas para satisfazer os fãs dos livros.
O filme começa com Harry, Rony (Rupert Grint) e Hermione (Emma Watson) se preparando para o sexto ano em Hogwarts. Enquanto o perigo de Voldemort cresce, Dumbledore (Michael Gambon) orienta Harry a investigar as memórias de Horácio Slughorn (Jim Broadbent), que podem conter a chave para derrotar o Lorde das Trevas. Enquanto isso, Draco Malfoy (Tom Felton) planeja sua vingança, e Harry se vê dividido entre suas responsabilidades e seu crescente interesse por Gina Weasley (Bonnie Wright).
O Enigma do Príncipe sofre um pouco com a falta de foco e estrutura, o que faz com que pareça mais um prelúdio do que uma história autossuficiente. No entanto, o filme compensa com um final impactante, tanto visual quanto emocional. A última meia hora é suficiente para perdoar a narrativa um pouco dispersa das duas horas anteriores. Para aqueles que não leram os livros, algumas das reviravoltas podem ser surpreendentes, enquanto os fãs encontrarão uma adaptação satisfatória dos eventos mais importantes.
A escuridão que permeia a saga desde O Prisioneiro de Azkaban está mais presente do que nunca em O Enigma do Príncipe. Embora o filme tenha uma classificação baixa, isso não significa que o tom seja leve. O diretor David Yates continua a explorar as sombras que cercam o mundo bruxo, utilizando cores dessaturadas e cenas que beiram o preto e branco, especialmente no clímax do filme, dentro da caverna. Comparar o visual brilhante e alegre de A Pedra Filosofal com a austeridade de O Enigma do Príncipe pode ser difícil, mas essa evolução visual reflete o amadurecimento da série.
No entanto, o filme enfrenta alguns problemas de tom, especialmente nas cenas que envolvem o triângulo amoroso entre Rony, Hermione e Lilá Brown (Jessie Cave). Embora essas cenas sejam fieis ao livro, elas não se integram perfeitamente à narrativa cinematográfica e, muitas vezes, parecem pertencer a um filme diferente. O objetivo era criar alívio cômico, mas, em vez disso, essas cenas acabam destoando do restante da história.
O Enigma do Príncipe finalmente dá a Michael Gambon, como Dumbledore, algo mais a fazer do que parecer sábio e distante. Sua performance é sólida, especialmente nas cenas finais, e o filme permite que o personagem mostre um lado mais ativo. Alan Rickman, por sua vez, continua a brilhar como Severo Snape, entregando uma atuação rica e cheia de nuances. Ele consegue transmitir camadas de complexidade em cada olhar e gesto, antecipando o que está por vir em As Relíquias da Morte.
O anúncio de que As Relíquias da Morte será dividido em dois filmes diminuiu um pouco o impacto de O Enigma do Príncipe, que deixa de ser o penúltimo capítulo da saga para se tornar mais um passo em direção ao desfecho. É também o filme menos autossuficiente da série. Ao contrário dos cinco filmes anteriores, que poderiam ser apreciados como aventuras interligadas, O Enigma do Príncipe exige ser visto dentro do contexto maior da saga. Isso pode frustrar os espectadores casuais, mas não deve incomodar os fãs de Harry Potter.
Apesar de suas falhas, O Enigma do Príncipe ainda representa um entretenimento sólido e mantém a sequência impressionante da franquia, que chega ao seu sexto filme sem um único fracasso. Com dois capítulos finais pela frente, é inteiramente possível que a série termine como uma das sagas mais criativamente recompensadoras do cinema.