No centro de Jay Kelly está uma figura que parece maior que a própria vida — e, ao mesmo tempo, surpreendentemente frágil. O filme acompanha o ator titular, vivido por George Clooney, enquanto ele encara uma fase tardia da carreira, revisitando erros, vínculos quebrados e a imagem cuidadosamente construída ao longo de décadas. O diretor Noah Baumbach transforma essa jornada em uma reflexão melancólica e por vezes divertida sobre identidade e legado, equilibrando drama e comédia com precisão.
Jay é apresentado como um ícone do cinema moderno, carismático, inteligente e… desesperadamente perdido. Ele confia demais em Ron, seu empresário interpretado por Adam Sandler, que funciona quase como um bombeiro emocional, sempre tentando apagar a destruição que o astro deixa pelo caminho. A dinâmica entre os dois sustenta grande parte do humor e da humanidade do longa, reforçando a ideia de que Jay nunca aprendeu a lidar com o próprio caos, apenas a terceirizá-lo.

O filme mergulha fundo nesse personagem contraditório, que alterna entre charme irresistível e egoísmo gritante. Clooney entrega um trabalho vulnerável, expondo rachaduras que ele mesmo ajudou a criar em sua persona pública ao longo dos anos. Por trás do sorriso impecável, há um artista inseguro, envelhecendo diante das câmeras e das expectativas — e Baumbach explora isso com sensibilidade, sempre evitando a caricatura.
O roteiro, coescrito com Emily Mortimer, costura momentos confessionais com observações afiadas sobre fama, a vaidade e o desgaste emocional de viver para agradar plateias. Surgem flashbacks que contextualizam a ascensão relâmpago de Jay, mas é na desconexão com aqueles que o rodeiam — especialmente sua filha — que o filme encontra sua espinha emocional. A tentativa tardia de reparação move o personagem para longe do conforto de Hollywood, levando-o à Europa em busca de algo mais profundo que homenagens.
A partir dessa viagem, Jay Kelly ganha um ar de estrada e renova sua energia dramática. Encontros inusitados, memórias reprimidas e o temor constante de estar desperdiçando os últimos momentos que importam tornam o percurso tão significativo quanto o destino. É nesse descompasso entre o homem público e o homem privado que a trama respira, abrindo espaço para Clooney trabalhar camadas pouco exploradas de sua imagem.

O elenco secundário amplifica esse universo com participações marcantes: Laura Dern como a publicista implacável, Greta Gerwig como um contraponto doce na vida de Ron, e uma sucessão de rostos que surgem para confrontar Jay com tudo aquilo que preferiu ignorar. Cada aparição parece existir para lembrá-lo — e lembrar o público — de que sua fama sempre teve um preço alto demais.
Ao final, Jay Kelly se revela um filme sobre coragem: não a coragem de interpretar heróis nas telas, mas a de admitir fragilidades fora delas. Baumbach constrói um retrato sincero de um artista tentando se reencontrar, e Clooney, em uma das melhores atuações de sua carreira recente, abraça essa exposição com honestidade tocante. É uma obra que mistura ironia, afeto e melancolia para falar, sobretudo, sobre a difícil tarefa de finalmente encarar quem se é.




