As Cores e Amores de Lore

Onde assistir
Um retrato particular da artista Eleonore Koch, uma mulher sem arrependimentos

Lore, amiga da mãe do diretor Jorge Bodanzky, e a pintora Eleonore Koch, discípula de Alfredo Volpi, são diferentes mas se integram na mesma pessoa em As Cores e Amores de Lore: uma idosa, na segunda década do século XXI, um pouco antes de falecer com mais de 90 anos, que instiga – e pasma – quem assiste com tamanha lucidez diante da vida que levou e da sua obra de arte.

As Cores e Amores de Lore pode ser assistido de várias maneiras, eu optei em embarcar no documentário feito por um homem que, buscando alguém que pudesse falar sobre a mãe – Rosa Bodanzky –, e encontra uma artista que fez parte de uma geração de mulheres, imigrantes da Segunda Guerra, que não pensavam muitas vezes antes de abrir mão de um estilo de vida tradicional em nome de um que lhes valesse a pena. Eleonore Koch nasceu na Alemanha e assim como muitas famílias judias, a sua veio para o Brasil no final da década de 1930. O documentário alterna entre narração e trechos de depoimentos de Lore, com suas mãos que passeiam pelos próprios rascunhos e processos de obras. Desde um papel rabiscado pelo próprio Volpi, durante um jantar, até as muitas camadas de processos que iriam anteceder uma obra que pode ser, erroneamente, interpretada como “simples” em um primeiro olhar.

É delicioso passear pelos quadros de Eleonore Koch – o longa é atravessado por cenas da montagem de uma exposição que a artista, finalmente (e depois de morta), vai ter em uma bienal – sendo pendurados, além de ouvi-la contando não apenas sobre a composição, mas mostrando suas fotografias, em que muitas são o cerne do seu trabalho. Uma obra marcada pelos objetos cotidianos tensionados em planos, linhas e cores que surgem com a escolha técnica (a têmpera, que aprendeu com Volpi), pensando a fisicalidade da obra enquanto quadro e não apenas como “representação”. Cadeiras, um mata borrão, vasos de flores, a vista de coqueiros… tudo como se fosse um sonho em que as cores sempre estão marcadas pelas pinceladas que podemos ver de perto. Várias vezes Bodanzky coloca a câmera para passear pelos objetos das casas que Lore vive, e vamos percebendo como a sua pintura vai alterando a percepção do mundo que a cerca, trazendo a sua própria visão. Os quadros de Lore nos remetem aos filmes da belga Chantal Akerman, em que somos obrigadas a prestar atenção no cotidiano mais avassalador, muitas vezes denominado de tédio, só que aqui, repleto de histórias humanas fora da tela.

Além de trazer a própria artista Eleonore Koch para dentro de cena, comentando a sua obra, As Cores e Amores de Lore traz também essa mulher que, mesmo sendo filha de pais intelectuais (sua mãe, Adelheid Koch, foi uma importante psicanalista), teve que decidir, por si mesma, como viveria sua vida para deixar a própria obra livre. Apesar de ter desenvolvido a sua técnica com Volpi, ela faz ajustes a seu favor, se desvencilhando dessa afiliação; muito cedo decidiu que sairia pelo mundo e viveria plena de suas escolhas também como mulher. Morou no Rio de Janeiro e em Londres, saiu com muitos homens, alguns figurões, explorou e se decepcionou com a própria arte muitas vezes: por fim, nunca se arrependeu. É com essa imagem que, assim como no documentário, nos despedimos de Koch, uma artista sem arrependimentos e que segue habitando, dentro e fora da tela, aquelas paisagens praticamente sem gente, mas cheias de cores e traços únicos do seu estilo.

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