Morte no Nilo, segunda aparição de Kenneth Branagh como o famoso detetive Hercule Poirot, deu trabalho para a equipe de marketing. Desde que a produção terminou suas filmagens, antes da pandemia, quatro dos principais membros do elenco causaram controvérsias em entrevistas ou na vida: Gal Gadot (comentários polêmicos pró-Israel), Armie Hammer (alegações de estupro e canibalismo), Letitia Wright e Russell Brand (ambos anti-vacinas). Contudo, em termos do que estamos aqui para falar (o filme em si), os erros do elenco são irrelevantes. O filme é mais uma adaptação de Agatha Christie bem montada e seu elenco entrega trabalhos confiáveis.
Poirot e Miss Marple são os personagens mais conhecidos da autora. Ela escreveu sobre Poirot pela primeira vez em 1920 e continuou narrando suas aventuras de detetive por mais de meio século. Os contos mais conhecidos de Poirot foram escritos durante as décadas de 1930 e 1940. Morte no Nilo, que muitos críticos citam como o melhor romance de Christie, chegou às livrarias em 1937, ano em que o filme se passa. Kenneth Branagh escolheu filmar Assassinato no Expresso do Oriente primeiro, já que era o título mais conhecido do personagem, mas Morte no Nilo traz mais conteúdo para os fãs de Christie assim como para aqueles que não sabem quem ela é.
Michael Green adapta o material original com algumas liberdades criativas com os detalhes. Vários personagens são eliminados ou combinados e vários novos são criados do zero. Os maiores participantes do crime central – Linnet Doyle (Gal Gadot), Simon Doyle (Armie Hammer) e Jacqueline de Bellefort (Emma Mackey) – são consistentes com a forma como Christie os escreveu. Uma mudança significativa foi a expansão do personagem de Poirot (Branagh).
O filme tenta humanizar Poirot criando um prólogo, um epílogo e vários diálogos que abordam sua solidão e possíveis arrependimentos. O personagem Bouc (Tom Bateman) faz um amigo dele e Salome Otterbourne (Sophie Okonedo) faz uma espécie de interesse amoroso do detetive.
Morte no Nilo se passa, basicamente, a bordo do Karnak, um navio a vapor que percorre o Nilo como cruzeiro de lua de mel para a rica socialite Linnet Doyle e seu novo marido, Simon. Também a bordo, junto com vários possíveis suspeitos e/ou vítimas, está a ex-noiva de Simon, Jacqueline de Bellefort, que carrega um revólver e fala abertamente sobre usá-lo. Linnet e Simon tentam envolver Poirot para impedir Jacqueline de segui-los, mas ele rebate que, a menos que ela faça algo ilegal (o que ela não fez), ele será impotente para agir contra ela. À medida que o cruzeiro continua, torna-se evidente que alguém quer Linnet morta, mas não se sabe se essa pessoa é Jacqueline ou se um dos outros outros passageiros está escondendo algum outro motivo. Cabe a Poirot descobrir antes que a contagem de corpos comece a aumentar.
Assim como foi em Assassinato no Expresso do Oriente, a cinematografia é impressionante. Trabalhando novamente com o diretor de fotografia Haris Zambarloukos, Branagh pinta a tela com visuais que impressionariam até mesmo David Lean. Há também vários planos-sequência, incluindo um em uma trincheira da Primeira Guerra Mundial (durante o prólogo) que lembra o 1917, de Sam Mendes. Patrick Doyle contribui com uma trilha sonora imponente (como é típico dele) que complementa os visuais perfeitamente.
Branagh parece mais confortável como Poirot desta vez. Se esta é sua última vez como detetive ou se o cineasta tem em mente tentar outra adaptação de Christie, ainda não se sabe. Mas Branagh é forte como protagonista e Poirot está ainda mais envolvido do que no material original.
Os puristas de Christie podem ficar desapontados com algumas das mudanças, mas, no geral, Morte no Nilo é fiel o suficiente para contar a história e diferente para funcionar melhor com o público atual, preocupado com a diversidade.