…E o Vento Levou sempre figura nas listas de melhores filmes de todos os tempos. No entanto, embora esse melodrama romântico épico seja realmente um dos filmes mais populares e amados de todos os tempos, ele também é bastante superestimado. Não se engane, o filme é muito bom, talvez quase ótimo, mas seu tema e duração (que podia ter uns bons 60 minutos a menos) depõem contra seu status de obra-prima.
O épico é um conto de duas metades (assim como A Noviça Rebelde). Ele é dividido por um intervalo com duas partes quase iguais em duração. A primeira, é brilhante e consistentemente cativante, e cobre o período da Guerra Civil, começando logo após a eleição de Abraham Lincoln e terminando durante a marcha de Sherman por Atlanta. A segunda metade, pós-intervalo, começa no final da Guerra Civil e termina cerca de oito anos depois. Esta parte de …E o Vento Levou, embora ainda retenha um certo apelo e interesse pela narrativa, não é tão cativante quanto a primeira.
No entanto, é óbvio que assistir …E o Vento Levou numa televisão empalidece a experiência em comparação com vê-lo projetado em uma tela de cinema. Cinematograficamente falando, …E o Vento Levou deve ser uma experiência totalmente diferente na telona, com parte do tédio narrativo da segunda metade apagado pelos visuais gloriosos proporcionandos numa sala escura.
A história é uma das mais conhecidas de qualquer filme, em grande parte devido à popularidade do material original, o livro mais vendido de Margaret Mitchell. É um romance suntuoso ambientado na época da Guerra Civil no extremo sul. A personagem principal é Scarlett O’Hara (Vivien Leigh, de Uma Rua Chamada Pecado), a filha mimada e manipuladora de um dono de plantação imigrante irlandês (Thomas Mitchell, que mais tarde interpretaria o tio Billy em A Felicidade Não se Compra, de Frank Capra). Scarlett tem duas irmãs, mas ela é de longe a mais espirituosa das três, e seu pai, vendo-a como sua sucessora, ensina-lhe lições sobre a importância da terra. “É a única coisa que dura… a única pela qual vale a pena lutar”, comenta ele antes da guerra.
Scarlett é secretamente apaixonada por Ashley Wilkes (Leslie Howard, de Pigmalião), mas ele está prestes a se casar com a gentil e recatada Melanie Hamilton (Olivia De Havilland, de Tarde Demais). Quando Scarlett confessa seu amor por Ashley, ele admite seus sentimentos por ela, mas observa que Melanie será uma esposa muito melhor. Imediatamente após esse encontro, Scarlett tem seu primeiro encontro com o irreprimível Rhett Butler (Clark Gable, dos ganhadores do Oscar Aconteceu Naquela Noite e O Grande Motim), o herói cínico e inteligente que eventualmente se apaixona por ela. São duas pessoas obstinadas que simultaneamente se repelem e se atraem.
A maior parte do filme segue um quadrilátero romântico que se desenrola através do pano de fundo da guerra e da reconstrução de Atlanta e da fazenda de O’Hara, Tara. Scarlett está apaixonada por Ashley, ou pensa que está, mas ele não vai deixar sua esposa. Melanie ama o marido e Scarlett, que, de maneira improvável, se torna sua melhor amiga. Rhett é apaixonado por Scarlett, e ela é claramente interessada nele, mas a verdadeira questão é quanto tempo levará para ela reconhecer a profundidade de seus sentimentos. No final das contas, quando Rhett finalmente se cansa, ele sai de sua vida depois de responder “Francamente, minha querida, eu não dou a mínima” para sua pergunta sobre o que ela deveria fazer sem ele (tornando essa uma das falas mais famosas do cinema, se não a mais famosa).
A primeira metade de …E o Vento Levou é gloriosa tanto do ponto de vista visual quanto emocional. É uma grande história de amor e perda em meio a guerra mais amarga em território americano. Mais importante, transforma Scarlett de uma criança vaidosa e mimada para uma jovem obstinada e determinada. Seu relacionamento com Rhett já é apresentado, mas é mantido cuidadosamente em segundo plano. Há tristeza, humor e uma série de planos grandiosos de tirar o fôlego (a silhueta de Scarlett contra um pôr do sol avermelhado ou o pano de fundo de Atlanta em chamas, são duas das imagens mais emblemáticas da história do cinema).
A segunda metade, por sua vez, se torna repetitiva com as idas e vindas dos relacionamentos de Scarlett. É um verdadeiro novelão e, mesmo tão grandiosamente representado, não há como confundi-lo com outra coisa. Se não durasse tanto, essa segunda parte seria muito mais suportável. O problema é que a maior parte da história é realmente contada na primeira metade.
…E o Vento Levou é uma ode romântica ao Velho Sul – uma homenagem a uma era e a um estilo de vida que já se foi. Isso deixa claro onde residem as simpatias do filme. A escravidão, por exemplo, é mostrada ao longo de quase todo o filme como uma instituição neutra, até mesmo benevolente, e sabemos que não era bem assim (12 Anos de Escravidão que o diga!).
Ao discutir as forças criativas por trás do épico, raramente se fala de Victor Fleming (O Mágico de Oz). Na verdade, …E o Vento Levou é mais conhecido como uma produção de David O. Selznick (King Kong), porque Selznick foi a força motriz por trás do projeto. Com quatro diretores tendo passado pela produção e mais de uma dúzia de roteiristas, Selznick provou ser o nome que manteve a coisa toda no lugar. Era como se o filme fosse um filho seu – uma obsessão que o consumiu por anos.
Até hoje, nenhum filme vendeu mais ingressos do que …E o Vento Levou. Nos EUA, a quantidade de ingressos vendidos é quase o dobro de Titanic, outro fenômeno popular. Claro, quando foi lançado, não era apenas mais um filme – era um espetáculo, um evento. Embora os hábitos cinematográficos tenham mudado ao longo dos anos, é fácil ver por que o filme alcançou tantos elogios, e por que seu nome continua conhecido com o passar das décadas. …E o Vento Levou tem falhas, é verdade, mas ainda é inegavelmente uma lenda.