O Homem de Aço, Batman vs Superman – A Origem da Justiça e Esquadrão Suicida não são unanimidade entre o público ou a crítica. Os longas anteriores têm uma quebra de tom em relação à bondade que os heróis da DC exemplificam (apesar de Esquadrão não retratar heróis bondosos). Mulher-Maravilha é o longa que volta sua heroína as suas raízes e faz de Gal Gadot o exemplo de verdade e justiça que a personagem é nos quadrinhos.
Embora a Diana Prince de Gadot já brilhasse em Batman vs Superman, é em Mulher-Maravilha que conhecemos a personagem mais a fundo, mesmo que o longa nem leve tanto em consideração suas encarnações anteriores, no cinema ou na TV. Gadot e a diretora Patty Jenkins (Monster – Desejo Assassino) permanecem fiéis às origens da personagem nos quadrinhos, mas criam uma heroína que é atual mesmo que pareça old-school. Em suas primeiras aparições, Mulher-Maravilha era uma figura americana com um fundo mítico, aqui, ela é uma força mítica que acaba lutando pela humanidade.
Assim como diversos outros filmes do gênero, Mulher-Maravilha é outra história de origem, mas ao menos é uma história que não vimos diversas vezes antes. E talvez, o mais importante de tudo, é inteiramente livre de participações que semeiam tramas para filmes futuros da personagem ou de seus colegas do Universo Estendido da DC.
Depois de um breve prólogo na Paris moderna, o filme nos leva para Temiscira, a ilha que abriga a sociedade das Amazonas. Com cores exuberantes e vibrantes, a ilha, protegida por Zeus, é um santuário para a tribo, responsável por ajudá-lo a combater Ares, o deus da guerra. Lá, elas treinam nas artes do combate aguardando pelo possível retorno de Ares.
Enquanto Hipólita (Connie Nielsen, de Gladiador), mãe de Diana, tenta protegê-la e não a deixa treinar com as demais amazonas, sua tia, a general Antiope (Robin Wright, de House of Cards), concorda em treinar a garota em segredo. Mas quando Diana atinge a idade adulta, suas habilidades de batalha são aumentadas por poderes que ela é apenas parcialmente consciente de que detinha.
Temiscira parece um reino fora do tempo, mas o choque de “realidade” com 1918 logo acontece sob a forma de um avião de guerra alemão que cai no oceano as margens da ilha. Diana resgata o piloto, um espião americano chamado Steve Trevor (Chris Pine, de Star Trek). Sob a influência do laço da verdade, Steve revela que estava agindo como agente duplo em meio aos alemães, tentando coletar informações sobre uma nova arma experimental: um gás venenoso que está sendo desenvolvido pela química Dra. Veneno (Elena Anaya, de A Pele que Habito) para o sádico general Ludendorff (Danny Huston, de X-Men Origens: Wolverine).
Quando Diana ouve Steve descrever a Grande Guerra que está acontecendo no mundo dos homens, ela imediatamente suspeita do retorno de Ares, e resolve ir com Steve para as linhas de frente confrontá-lo. Aí o filme muda de cor, da ensolarada ilha para o cinza da guerra e cinza do Universo DC.
É muito interessante que o filme que se passa na Primeira Guerra Mundial, com uma trama que gira em torno da ameaça de uma guerra química, seja justamente a produção mais alegre e inocente do Universo Estendido da DC. Mas enquanto Mulher-Maravilha pode mergulhar em momentos de horror, nunca se detém nas instabilidades da depravação humana, como os demais. E o fator que pesa na capacidade de o filme transmitir essa nota de bondade reside justamente em Gadot, cujo rosto irradia empatia e determinação – e cuja resposta à iniquidade da natureza humana não é o cinismo, mas sim a indignação.
Com a primeira heroína dos cinemas (se você desconsiderar a bomba Elektra, que funciona mais como uma mercenária do que heroína), a produção é a primeira do gênero dirigida por uma mulher e isso faz uma diferença gritante. Por mais que a roupa de Gadot seja minúscula, a câmera de Jenkins não a objetifica – Diana é sempre enquadrada como uma agente de poder (Zack Snyder também fez isso bem em Batman vs Superman). E quando ela finalmente desencadeia todo o seu potencial de luta em uma sequência de batalha nas linhas de frente da guerra, o filme ganha vida em um turbilhão genuinamente estimulante de ação em câmera lenta, na qual a personalidade de Diana nunca é perdida em meio a toda a coreografia.
Se há um vacilo no filme é seu ato final. O filme evita o uso descabido de computação gráfica até chegar na sua última meia hora e fazer toda aquela destruição em massa que estamos acostumados em filmes do gênero. Mas isso não estraga as virtudes do longa, que não são poucas, mesmo que seus vilões não sejam tão bem trabalhados quanto os vilões dos filmes anteriores do estúdio (o real problema do rival, Marvel).
Quanto do tom e da estética do filme estarão nos projetos futuros da DC? É uma pergunta em aberto, pelo menos até novembro quando a personagem retornará em Liga da Justiça. De qualquer forma, Mulher-Maravilha é o filme que a DC precisava, ou talvez o mundo. Ele tem coragem de colocar uma heroína no centro e não objetificá-la, trazendo representatividade. A heroína elevou a barra de expectativa, agora vamos ver se Batman e Superman podem alcançá-la.