De todos os personagens de quadrinhos que fizeram a transição para o cinema, poucos foram tão adaptados quanto o Batman. Criado por Bob Kane em 1939, o herói era originalmente uma figura sombria, oscilando entre herói e vigilante. Essa imagem permaneceu até os anos 1960, quando a série de TV estrelada por Adam West transformou o personagem em um herói pateta, mas simpático. Tim Burton reinventou o Batman em 1989 com um toque surreal, mas o filme acabou focando mais no Coringa, deixando o herói como um coadjuvante em sua própria história. Quando a série de filmes chegou ao terceiro capítulo, o tom de comédia já estava de volta, e, em 1997, com a chegada de Batman & Robin, os fãs haviam tido o suficiente. Batman parecia estar morto no cinema, até agora.
Com Batman Begins, o diretor Christopher Nolan retorna às raízes, descartando tanto a bobeira da encarnação televisiva quanto os elementos góticos e fetichistas da versão dos anos 1990. Este é um filme mais sério e realista, que nos apresenta a origem do Cavaleiro das Trevas. Não se trata de um “prequel” do filme de 1989; Gotham City é completamente diferente, e eventos chave da cronologia do Batman são reescritos. Batman Begins é concebido como o início de uma nova vida, um reboot para a franquia. Nesse processo, Nolan não apenas criou o melhor filme do Batman até hoje, mas também uma das melhores narrativas de super-herói no cinema.
Batman Begins nos leva aos cantos sombrios da vida de Bruce Wayne (Christian Bale), um bilionário atormentado pela memória do assassinato de seus pais. Bruce é resgatado de uma prisão anônima na Ásia por Henri Ducard (Liam Neeson), um misterioso mentor que oferece a ele um propósito: treinar para se tornar um membro da Liga das Sombras, uma organização comandada por Ra’s Al Ghul (Ken Watanabe), que busca restaurar o “equilíbrio” em um mundo onde “os criminosos prosperam com a indulgência da sociedade”.
O treinamento de Bruce sob a tutela de Ducard é fisicamente exigente, mas transforma o jovem em uma verdadeira arma viva. Durante essa jornada, Ducard soa muitas vezes como um Sith de Star Wars, com frases como “Sua raiva lhe dá grande poder” e “Sua compaixão é uma fraqueza.” No final, Bruce rompe com a Liga das Sombras para retornar a Gotham e combater a crescente onda de crimes na cidade. Com a ajuda de seu fiel mordomo Alfred (Michael Caine), de um inventor ao estilo Q chamado Lucius Fox (Morgan Freeman), do honesto policial Jim Gordon (Gary Oldman) e da amiga de infância Rachel Dawes (Katie Holmes), Bruce decide trazer justiça à Gotham. E ele faz isso não como Bruce Wayne, mas como o Batman, enfrentando dois inimigos perigosos: o mafioso Carmine Falcone (Tom Wilkinson) e o psicopata Espantalho (Cillian Murphy).
Para contar essa história, Nolan e o roteirista David Goyer entrelaçam elementos estabelecidos da história do Cavaleiro das Trevas com material original, criando uma tapeçaria coesa. Vemos o que leva Bruce a escolher o morcego como seu símbolo, como a Batcaverna é desenvolvida, de onde vêm o traje e o cinto de utilidades, e o segredo por trás do Batmóvel. Em vez de desmitificar o Batman, isso nos dá uma melhor compreensão de quem ele é e o que o motiva — aspectos que estavam visivelmente ausentes na visão de Tim Burton do super-herói.
Dos cinco atores mais conhecidos que vestiram o manto do Cavaleiro das Trevas (Adam West, Michael Keaton, Val Kilmer, George Clooney e agora Christian Bale), não há dúvidas de que Bale é o mais talentoso e eficaz. Ele é convincente tanto como Bruce Wayne quanto como Batman e, enquanto veste a máscara, ele parece mais do que apenas um rosto oculto. Para interpretar o personagem, Bale teve que ganhar cerca de 40 quilos, recuperando o peso perdido para seu trabalho em O Operário e adicionando mais massa muscular. Diferente de seus antecessores, Bale não permite que o traje domine sua performance; aqui, é a atuação que comanda.
Ele é cercado por um elenco de apoio excepcional, com os vencedores do Oscar Michael Caine e Morgan Freeman liderando o grupo. Também estão presentes Gary Oldman, em um papel contra o tipo como um policial honesto; Tom Wilkinson, que não tem tanto o que fazer; Ken Watanabe, que mal fala uma palavra; e um inquietante Cillian Murphy. Katie Holmes desempenha o ingrato papel do “interesse amoroso” — um dos poucos elementos de Batman Begins que não funciona. Holmes e Bale não têm química suficiente, e sua personagem parece supérflua — apenas uma donzela em perigo.
Embora haja menos do estilo noir estilizado de Batman em Batman Begins, Nolan mantém o tom sombrio, já que morcegos caçam à noite. As cenas de ação são, em sua maioria, dinâmicas e emocionantes — algo raro nas encarnações anteriores do super-herói. Burton não sabia como fazer cenas de ação, e Schumacher as tratou de forma banal. Nolan, por outro lado, entende como elevar os níveis de adrenalina, utilizando ângulos de câmera interessantes, uma edição vigorosa e efeitos especiais eficazes (pouca computação gráfica e mais modelos e gadgets funcionais).
Batman Begins é um forte recomeço para uma franquia que merece muito mais do que frequentemente recebeu. O final aponta diretamente para uma continuação, e Nolan já declarou que planeja uma trilogia. O próximo capítulo provavelmente ainda está a três anos de distância, mas, enquanto isso, temos a reinvenção de Bryan Singer de outro gigante da DC, Superman: O Retorno.