O Marvel Studios entrou num caminho sem volta de reinvenção, muito parecido com o que acontece nos próprios quadrinhos. Essa reciclagem de histórias e reboots servem para manter a engrenagem e apresentar novas versões ou novos personagens para o público que está chegando. Então enquanto quem viveu as primeiras fases do estúdio era apresentado ao Capitão América, Thor, Homem de Ferro e Hulk, agora novos rostos estão tomando conta das telas como Ms. Marvel, Kate Bishop, Cassie Lang e até a Coração de Ferro. Esse movimento, no entanto, é arriscado quando analisamos a narrativa como um todo.
Que os filmes de super-heróis já se esgotaram até certo ponto, não é nenhuma novidade, mas a Marvel parecia ter encontrado seu ponto de fuga com as séries do Disney+, onde poderia ser mais inventiva e fora da casinha, coisa que a Fox já tinha entendido quando fez Deadpool e Logan. Mas finalmente aconteceu, em partes, e foi primeiro com WandaVision, que arriscou um novo formato e ainda rendeu 23 indicações ao Emmy. Um reconhecimento um tanto exagerado, mas de qualquer forma a série mexeu com algumas estruturas impostas pela Marvel, como justamente a falta de criatividade em contar suas histórias. E quando digo algumas, é porque a gente pode tranquilamente assistir o primeiro e o último episódio da série, sem perder nada do seu miolo, que apenas desenvolve um novo começo para um novo personagem. Que foi o caso de Monica Rambeau. Esse mesmo problema acontece em Loki, a mais recente produção do serviço de streaming sobre o Deus da Trapaça, que caminha para o vazio de sua narrativa, mas encontra motivação em novos rostos.
A jornada do vilão, interpretado por Tom Hiddleston, começa logo após o final de Vingadores Ultimato em que ele toma posse do tesseract e some no universo. Nesse momento ele é pego pela ATV (Autoridade da Variação do Tempo), corporação burocrática que controla a linha do tempo e passa a ser um variante, nome dado àqueles que ameaçam o fluxo natural dos acontecimentos. Nessa divisão burocrata ele é apresentado para a juíza Ravonna Renslayer (Gugu Mbatha-Raw) e seu caso é acompanhado de perto pelo agente Mobius, interpretado pelo ótimo Owen Wilson. Esse início é bem interessante porque aprofunda os confrontos internos do Loki em uma redescoberta, afinal ele não é todo malvadão como a gente já viu e isso se prova com a chegada de Sylvie, uma variante de Loki de uma outra realidade do multiverso, que inclusive rouba a cena. O encontro dos dois levanta muitas questões filosóficas sobre ações e escolhas pelo tempo, pela primeira vez a Marvel aborda a sexualidade de Loki, mas de uma forma que não se compromete muito, e principalmente, amor. Nesses quesitos, a série flui muito bem e a aventura entre os dois personagens para desvendar os mistérios da ATV e dos Guardiões do Tempo é muito divertida de acompanhar.
Essa viagem pelas realidades levam também a surpresas muito gratas como o retorno de Jamie Alexander e sua Lady Sif e também somos apresentados a novos variantes como o Loki Clássico, Loki Crocodilo, Kid Loki e Boastful Loki. Inclusive o episódio cinco em que eles aparecem é sem dúvida o melhor da série. Estabelecer o multiverso é único rumo possível para a Marvel nesse momento, contando com os anúncios de Homem-Formiga e a Vespa Quantumania e também Doutor Estranho no Multiverso da Loucura que podem ser fruto dos eventos em Loki. Após assistir a série dá muito bem para imaginar inúmeros cenários e possibilidades e é isso que faz a experiência não ser tão completa. Basicamente, a produção se sustenta de momentos icônicos para desviar a atenção de narrativas vazias, porque nesse desenvolvimento a única coisa que fica martelando na nossa cabeça é que uma grande ameaça ainda está para ser descoberta e diferente das séries de assassinato em que a gente precisa descobrir quem é o assassino, aqui a gente tem tudo muito mecanizado para uma próxima fase, um próximo filme, uma próxima ameaça, maior e mais perigosa. Isso esgota o investimento empregado ao assistir os episódios, que se tornam em vão porque a fórmula Marvel é a da expectativa.
Para quem ainda não assistiu ao filme da Viúva Negra pode ter escapado um detalhe, mas em um dos diálogos finais de Raynslayer com Mobius, eles ressaltam a importância do livre arbítrio que foi impedido pelo ATV, e isso é praticamente a premissa central do filme da espiã. Não que isso seja um deslize, mas mostra que todo vacilo pode acontecer quando o roteiro se arrisca de forma covarde. Por esse motivo a citação ao filme da personagem de Scarlett Johansson não é em vão, mas serve também para explicar a semelhança do ato final das duas produções. A gente chega com sede de um desfecho explosivo e nos deparamos com uma sala de escritório em que o vilão principal mostra sua cara e parece que falta alguma coisa. Se não fosse Ray Winstone como o General Dreykov em Viúva Negra ou o ator (que seria spoiler revelar aqui) que interpreta a grande ameaça em Loki, ambas as experiências teriam sido piores, mas o seus talentos são desperdiçados num mesmo vazio de um roteiro que explica muito, mas não se banca.
Só resta agora nos apegarmos as consequências do final de Loki para saber o que esperar da já anunciada segunda temporada ou do que vem por aí no vasto futuro da Marvel que quer sempre guardar o seu melhor até o último momento.